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Por Ricardo Cota
CRIME VERDADEIRO
Atenção! Se você é
daqueles que se acostumou a ver Clint Eastwood como o justiceiro implacável,
de olhar certeiro e coração de pedra, prepare-se para cair do cavalo.
Em Crime Verdadeiro, o herói
empertigado e calculista, capaz de executar uma cidade sem pestanejar,
empresta a carcaça sexagenária ao mais autêntico de todos os seus personagens:
o velho e atordoado jornalista Steve Everett.
Não
que a sede de justiça tenha sido saciada. O anti-herói, curtido em noitadas
de malte escocês, continua sendo um obcecado defensor dos injustiçados. A
diferença agora está no coração, que deixou de ser tão rígido. Vigésimo
primeiro longa dirigido por Clint Eastwood, Crime Verdadeiro é
um filme à antiga. Em todos os sentidos. A começar pelo ritmo,
que dispensa os frenéticos recursos de montagem capazes de transformar
qualquer cena, por mais banal, num espetáculo estroboscópico confuso e
sem conexão com a trama.
A narrativa, cuja cadência
aumenta gradativamente, tem uma ligação com a rotina do velho repórter,
acostumado a correr contra o relógio para fechar suas matérias. No filme,
Steve tem menos de vinte e quatro horas para convencer os editores, a
justiça e o governo da Califórnia de que o condenado à morte Frank Beachum
(Isaiah Washington) é inocente e deve escapar da cadeira elétrica. A história,
sem grande originalidade, serve apenas como pretexto para Clint Eastwood
enfrentar a grande vilã da modernidade: a correção política.
Seu personagem tem todas as características para ser barrado em qualquer
ambiente: ultrapassado, mulherengo, péssimo pai, profissional irresponsável,
beberrão e fumante. Ainda por cima veste-se mal, tem um carro caindo aos
pedaços e passa por dificuldades financeiras. O grande barato aqui é notar
como o ator e diretor procurou atualizar a idéia do justiceiro urbano.
Ao contrário do implacável Harry Callahan, mais conhecido como Dirty Harry,
que sabia manejar como poucos uma magnum, o frágil Steve Everett anda
desarmado, já perdeu o vigor físico e sua única munição são os ideais.
Trata-se de um herói mais democrata e menos republicano, ou seja, mais
Clinton e menos Reagan. Substitui a pistola pela carteira de trabalho.
Na busca pela justiça sem recompensa, enfrenta a ganância e a irresponsabilidade
dos chefes de redação e editores de um jornal sensacionalista. Duela
contra o sistema, não contra bandidos facilmente identificáveis. Ao questionar
a ação de advogados e jornalistas, Crime Perfeito relembra de forma
atípica o velho e bom cinema individualista americano, cujos heróis resolviam
tudo pelas próprias mãos, sem recorrer ao auxílio dos luxuosos escritórios
de advocacia.
Mais um ponto para o sempre imprevisível Clint Eastwood, que nos últimos
anos nos tem brindados com obras de apelos distintos (como Um Mundo
Perfeito, As Pontes de Madison e Meia Noite no Jardim do Bem e
do Mal) e cujo próximo filme, ainda em produção, atende pelo sugestivo
título de Space Cowboys.
Crime
Verdadeiro
(EUA, 1999). De Clint Eastwood.
Ricardo
Cota, 33, é crítico de cinema do Jornal do Brasil há oito
anos, com passagens pelas revistas Cinemin, Set, Tabu, Cinema e IstoÉ,
além do jornal O Dia. Foi autor dos cursos Bergman/Woody Allen: Dois
Cineastas Face a Face; Huston/Coppola: Os jogadores; e O Cinema
Cantado, Breve História dos Musicais.
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