Leia entrevistas com os atores
Primeiros episódios que escreveu foram reprovados e jogados no lixo por serem considerados “muito malucos”
Terra - Qual foi a inspiração para a criação de Mundo da Lua?
Flávio de Souza - Queria fazer algo que partisse de um seriado de família, tradicional. Quando era criança, eu assistia a uma novelinha americana dos anos 50 chamada Papai Sabe Tudo, que seguia essa linha. É uma forma infalível de série, que pode ser vista em Família Dinossauro e até no desenho Os Simpsons, mas que no Brasil não tinha uma representante na época.
Terra - Como foi a aceitação do programa no início? As crianças gostaram logo de cara?
Flávio de Souza - Escrevi os primeiros e os últimos capítulos da série, e vou admitir que no começo as histórias eram mais malucas. As crianças gostavam, mas os adultos e a própria TV Cultura achou um absurdo o lance de o personagem passar da realidade para a fantasia sem explicar o que estava acontecendo.
Terra - Como você resolveu isso?
Flávio de Souza - Fizemos o esquema das três partes: primeiro aparecia o Lucas vivendo a realidade, em sua casa com sua família, depois ele ligava o gravador, ia para o mundo da fantasia, e depois que vivia sua aventura voltava à realidade novamente.
Terra - Os primeiros episódios então foram reprovados pela TV Cultura por serem “malucos demais”?
Flávio de Souza - Fiz a primeira parte da minha cabeça, e jogaram tudo no lixo. A parte pedagógica da Cultura era conservadora, careta, e não podia ter nada que não fosse explicitamente educativo. Mas eu quis fazer algo mais solto, descontraído, sem cara de sala de aula. Depois de um tempo, convenceram o chefe da pedagogia que um programa que tivesse valores para a sociedade poderia ser válido sem ser didático. Foi aí que inventei as sinopses.
Terra - Você teve ajuda para criar os episódios?
Flávio de Souza - Comecei a escrever sozinho e fiquei atrasado. Chamaram mais um equipe de quatro roteiristas e acabei escrevendo sozinho mesmo só os primeiros e os últimos.
Terra - Alguns assuntos eram proibidos de se falar na série?
Flávio de Souza - Algumas coisas eram vetadas de entrar em discussão na Família Silva e Silva. Suicídio, por exemplo. Mas, como o Lucas transmitia sempre uma mensagem de aprendizado em cada episódio, quase tudo era liberado.
Terra - Imaginava que o programa ainda seria lembrado após 20 anos?
Flávio de Souza - Não pensava que seria esse sucesso. O Mundo da Lua, quando estreou, concorria com o programa Os Trapalhões e com um monte de outras coisas. As pessoas queriam ver novelas. O sucesso inicial foi pequeno, mas aí a Beth Carmona, diretora da programação, decidiu colocar o programa no horário nobre. Foi quando estourou. As pessoas começaram a ver que além de novelas tinha algo com fantasia, ficção e valores familiares passando na TV, e que não era algo bobinho e infantil.
Terra - Esse sucesso todo teve consequências para os atores da Globo (Antônio Fagundes e Gianfrancesco Guarnieri) que tinham sido emprestados para fazer o programa?
Flávio de Souza - Depois que deu muita audiência, deu problema sim. “'Nunca mais peçam, porque não vamos mais poder fazer", anunciou a Globo. Por causa do imenso sucesso, alguns episódios acabaram sendo transmitidos nos anos 90 na TV Globo também, o que estava permitido graças a um pacto de contrato.
Terra - Seu personagem, o tio Dudu, aparecia apenas esporadicamente na série. Por que ele não foi incorporado no dia-a-dia da família Silva e Silva?
Flávio de Souza - Até hoje me arrependo de não ter escrito mais episódios com tio Dudu. Ele era engraçado, queria ser o “amigão” das crianças e sempre arrumava confusão. A verdade é que eu sou tímido e sempre tive vergonha de escrever para mim!
Terra – Se tivesse que reescrever o Mundo da Lua hoje, o que mudaria? O gravador do Lucas se transformaria em algo mais moderno?
Flávio de Souza - A relação entre a família, abordada no seriado, dá certo até hoje. Mas com certeza o gravador teria que se transformar em um computador de última geração ou em uma câmera de vídeo com internet (risos).
Terra - O que falta nos programas infantis de hoje em dia?
Flávio de Souza - Os programas infantis de agora têm menos qualidade. Na TV a cabo, há programas para crianças de 4, 6, 8, 10, 15 anos... tem muita opção. Na TV aberta não há espaço, então, fazem programas para públicos muito abrangentes, de 10 a 15 anos. Não tem nada específico. Malhação, por exemplo, não é um programa que eu considero adequado para crianças, mas muitas delas assistem.