Aprenda a ser sereno mesmo no trânsito
Lá no Oriente, no Oriente profundo e verdadeiro — não no Japão globalizado de lanchonetes fast-food, que podemos ver no instigante filme Encontros e desencontros; ou na China Olímpica high-tech, que se apresenta sutilmente, por exemplo, no filme Banhos — eles passam pela vida, budista e hinduistamente, desenvolvendo a capacidade de "perder tempo". É um exercício profundo e desafiador ao extremo, tarefa de desprendimento em relação a tudo que é acessório e desnecessário, afastamento das sombras (como eles dizem) que atrapalham nossa maravilhosa trajetória de maior acúmulo de boas e virtuosas vivências espirituais. Um monge no Nepal pode passar dias meditando tranqüilamente. A maioria de nós, ocidentais super atarefados, não conseguiríamos, desgraçadamente, sem angústias variadas, passar cinco minutos parados, em silêncio, respirando profundamente. Veja você mesmo: quando foi a última vez que você alongou os braços e encheu os pulmões serenamente? Aí está algo que deveríamos repetir sempre, várias vezes ao dia, e que fazemos apenas raramente. Surge uma dúvida: será que não temos andado demasiadamente rápido, numa aceleração que beira (e ultrapassa) o sensato? Onde podemos encontrar os mais terríveis sintomas dessa pressa alucinada? No complicado trânsito da cidade de São Paulo — e que Deus nos proteja. Viver a loucura automobilística da metrópole não é tarefa para amadores. Um apocalipse que precisamos aprender a enfrentar não apenas nas auto-escolas e cursos para reabilitação de condutores, mas também e principalmente nos domínios da nossa própria sanidade mental e espiritual. Como fazê-lo? Aprendendo, por essas ruas sempre transbordantes de carros — conduzidos por seres humanos que parecem estar ali somente para nos atrapalhar —, a apaziguar serenamente revezes aterradores. Superar os conflitos e oposições entre nossos desejos e a realidade é a melhor das lições que podemos receber das frustrações com as quais o trânsito nos faz conviver. Há uma lição esotérica importante a ser desenvolvida ali: é preciso harmonizar nossas expectativas com as reais dimensões da realidade, suavizando as perniciosas emoções que podem irritar perigosamente. Estamos, lembremos, dirigindo velozes e furiosos blocos de rascante metal pesado. Use o trânsito como exercício para domesticar a ira e a irritação, como possibilidade de compreensão e de melhora do relacionamento com a imperfectibilidade desse plano no qual (ainda) nos encontramos. É um treino interessante para os outros trânsitos que ainda percorreremos. Trânsitos de mudança de nível espiritual de existência, trânsitos que nos esperam após nossa partida daqui. Antes disso, até mesmo para não antecipar essa partida desnecessariamente, dentro dos veículos devemos levar garrafinha d'água, música relaxante e exagero de bons pensamentos.
Marina Gold/Especial para o Terra
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