Quando o esporte inspira a paz
A olimpíada lá na China se encerrou no último domingo. As controvérsias foram muitas e de naturezas variadas. Vimos glórias, superações, tropeços, desastres e sofrimentos na mesma escala. Tudo muito efêmero? Tudo muito significativo? Encontra-se caminho para qualquer resposta. Mas uma dúvida parece ter atravessado o evento: ele colaborou para a afirmação das coisas humanas ou para a afirmação dos exageros dos espetáculos? Aquilo que vencia o cronômetro, a distância, o peso e outros desafios das quadras e arenas, piscinas e pistas, era um atleta ou uma máquina? Acima de tudo, acima mesmo do amplo céu estrelado sobre o estádio do Ninho de Pássaro, uma outra indagação, mais intensa e instigante: estamos todos, o planeta, no caminho para um mundo de paz? Na Antigüidade grega, muitos séculos antes de Cristo, em pleno verão, durante cinco dias a cada quatro anos, um grande número de atletas e espectadores se reunia no verdejante santuário de Olímpia, banhado pelas águas caudalosas do rio Alfeu, cercado por oliveiras silvestres, plátanos, álamos, carvalhos e pinheiros para a realização dos renomados jogos que atraíam gente de todas as cidades. Pessoas das regiões mais distantes, hospedadas em modestas construções ou tendas, podiam se conhecer ou se reencontrar e, enquanto competiam lançando dardos e discos, lutando ou correndo, preservavam o que se convencionou chamar de "espírito olímpico", simbolizado pela chama sagrada acesa em Áltis. As lições do ideal olímpico são virtuosas e conciliatórias. Durante a vigência dos jogos decretava-se o armistício (em língua helênica antiga significa literalmente "aperto de mãos"). Por um período de dez meses, geralmente durante o qual se desfrutava de grande prosperidade, estava-se livre de conflitos militares. Cessavam todas as hostilidades e permitia-se livre acesso por todo o país, declarado neutro e inviolável. As pessoas não podiam andar armadas e as penas capitais não podiam ser executadas. O armistício era respeitado por todos os helenos e, ao longo dos 1.200 anos de duração dos jogos, as violações ocorridas foram insignificantes. Atletas de todas as cidades podiam participar. Havia campeões de Atenas, Corinto, Crotona, Siracusa, Elea, Alexandria, Esparta. A colcha de retalhos cultural e material que era o amplo mundo grego via-se toda representada. Eram excluídos dos jogos, em mais uma demonstração da busca pela paz, os que haviam cometido assassinato, saqueado um templo ou violado o armistício. E o que se buscava? Bem, o único prêmio concedido pela vitória era uma coroa feita com ramos de uma mesma oliveira silvestre que crescia à direita do templo. A importância moral dessa premiação era incalculável. Atletas, retratos bem acabados da retidão, dignidade e integridade, buscavam essa simples coroa vegetal mais do que qualquer riqueza material. Não vamos nos esquecer dessa simples coroa valorizada diante do olhar de toda a Grécia, país grandioso. Se a pira em Pequim se apagou, é bom saber que a simbólica pode continuar nos iluminando e aquecendo. O dom da paz segue no coração e na mente de muita gente de boa vontade, semente viva que gera atitudes inspiradas, propiciando harmonia e abundância.
Marina Gold/Especial para o Terra
|