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Idas e vindas representam um rito de passagem

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Partir e retornar, movimentos que marcam ciclos importantes da dinâmica de nossas vidas. A ordem espiritual que nos acompanha também se transforma nessas ocasiões. A viagem, curtinha ou longa, funciona como ocasião intensa e explícita para promover indagações existenciais.

Sob o enfoque esotérico, qualquer viagem é real e imaginária ao mesmo tempo. Viajar é empreender um movimento do corpo, travessia espacial e temporal, somente para alcançar uma modificação de si mesmo, modificação que ocorre em níveis profundos, metafísicos.

Busca de si mesmo e busca de sentido, o tema da viagem é o autoconhecimento. A experiência humana da viagem coincide com a questão do propósito da vida. Cada um de nós, ao nascermos, iniciamos nossa viagem por um país estrangeiro; continuamos, então, avançando rumo ao desconhecido, ao sabor do destino, precipitando-nos num futuro imprevisível. A viagem é, assim, uma das mais apropriadas metáforas da vida. Ela contém todos os seus fatores: o abandono da segurança, aceitação do risco, peripécias e interrupções de percurso. Para onde quer que sigamos, estão em nosso interior e são nossas as fronteiras entre o visível e o invisível, os limites do mundo e as paisagens visitadas.

A viagem é sempre programada de modo consciente, bem demarcado e finito. Porém, curvas do caminho podem provocar desvios que alargam a experiência existencial, propiciando inesperados cruzamentos: situações imprevistas, confusões, acontecimentos não aguardados, circunstâncias alheias, pessoas, modificações e conseqüências que surgem no curso da aventura e nos colocam frente ao imenso desafio de encontrar um sentido para as nossas vidas.

Se o corpo humano é uma mala na qual nos transportamos a nós mesmos, a viagem é ocasião para descoberta da rica heterogeneidade do mundo. Acaba estabelecendo-se como ocasião para livrar amarras, visitar outras paisagens, pontos de vista, ampliar a personalidade e a consciência do mundo que nos rodeia.

O beijo de despedida representa simbolicamente transição e fusão entre dois domínios da existência: passado e presente. A partir dali um novo percurso vai se construir aos poucos. A escadinha ou a porta do ônibus são imagens poderosas associadas à representação da viagem. Teatro dos dramas das chegadas e partidas, ali começa ou finda uma busca ou um relacionamento. Partir, retornar, situações que carregam o significado de um rito de passagem, transformação de um estado de vida para outro. Estações, imaginariamente, são locais de iniciação tanto numa nova vida na cidade ou, no mundo maior, fora dela. Plataformas de embarque são palcos teatrais que fornecem, também, lugar para encontros breves, porém, importantíssimos para nossas trajetórias.

Vale lembrar que Fernando Pessoa (Bernardo Soares), em certa passagem de seu Livro do desassossego, comenta com exatidão: "Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio [assim os portugueses chamam o trem] do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são".

Marina Gold/Especial para o Terra

 
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