Vamos fazer uma prece para esse mundo tão rico e tão pobre
Bem pertinho do final da consulta, ela, chorando, disse: "minha vida é péssima!". Era mesmo: invejas, ciúmes, desarmonias, competições tolas, desequilíbrios, paixões tristes... Que fardo, que carma! O mais estranho? Tinha tudo para ser o oposto. Tratava-se de uma mulher ainda bonita nos seus 47 anos, sedutora, charmosa, elegante e refinada. Bem posicionada financeiramente, nunca trabalhou e vestia-se com esmero e com as melhores grifes e marcas mundialmente cobiçadas. Nos pés, desfilava o sonho de consumo de uma vasta população de mulheres. No pulso, um relógio que, mais do que indicar a hora com exatidão suíça, brilhava como uma jóia valiosa. Então, qual era o problema? Simples: as relações humanas. Ela estabelecia com as pessoas ao seu redor uma comunicação desastrosa. Nos trinta minutos iniciais do nosso encontro, a moça apresentou-me um panorama bastante desolador de seu cotidiano de muitas compras e pouco preenchimento existencial. A agenda cheia de banalidades: mais energia gasta para estufar o closet do que investida em algum crescimento pessoal. A queixa era de uma vida vazia de sentido ou desafios, mas o problema central, verdadeiramente relevante, aflorou quando já conversávamos por quarenta minutos: a filha. Mãe de uma única filha, ela havia depositado fantasias e esperanças demais sobre os ombros da menina. Agora, com vinte e poucos anos, a filha era o inverso das aspirações da mãe. Contrária a tudo o que aquele mundo da mãe representava, a garota assumia, de forma cada vez mais agressiva e descontrolada, uma postura crítica em relação a tudo que viesse dos pais, tudo que envolvesse o ambiente familiar e seu conjunto de valores e expectativas. No último ano, o clima familiar piorou e tudo fugiu do controle. A filha largou os estudos, jogando para o alto a possibilidade de fazer um intercâmbio no exterior, escolheu namorados errados e relacionamentos perigosos. A mãe, por sua vez, tentou de tudo: deu uma loja inteira para a menina tomar conta e ocupar o tempo, mimos, terapia e mais mimos. Nenhum resultado. Só decepções, angústias e crescente ódio recíproco. Quando a mãe não mais suportou a situação e passou a chorar no meu consultório, a situação entre elas havia se deteriorado imensamente. Só o que me veio à cabeça foi: "que pena, estamos mesmo num mundo frágil e adoentado, tão rico materialmente e tão pobre espiritualmente". Para aquela mãe que tanto chorou no meu ombro, uma prece de amadurecimento e o desejo de que as estruturas se consolidem e de que ela possa resolver, carmicamente, os diversos desafios que ainda precisará enfrentar. Uma prece para que ela cresça, inclusive, retribuindo (também no plano espiritual) todo o bem-estar de que vem desfrutando. E uma prece não apenas para essa mãe atormentada, mas para todos nós. Uma prece muito bem-vinda de amadurecimento que nos auxilie a crescer em tempos difíceis, sombrios, contraditórios, em um mundo como o nosso, tão rico e tão pobre.
Marina Gold/Especial para o Terra
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