São Paulo - As relações entre a TV Globo e Wanderley Luxemburgo são tensas. O Departamento de Esportes da empresa não concorda com os métodos de trabalho que o técnico vem empregando na seleção. A crise se acentuou com as denúncias contra o treinador e a campanha da emissora para que Romário disputasse a Olimpíada de Sydney. Ao final dos Jogos, espera-se por uma nova e talvez definitiva batalha entre Globo e Luxemburgo.
No conflito declarado entre o técnico da seleção e a emissora, passa a hegemonia do futebol no Brasil. A teia da Globo é vasta - tem sob contrato de exclusividade os campeonatos mais importantes do País e o Clube dos 13, associação dos principais clubes brasileiros. Falta a exclusividade da seleção.
Na era Luxemburgo - que começou em 1998 - a Globo não vem encontrando as mesmas regalias que tinha na era Zagalo (1994 a 98). Quando Zagalo era o técnico, nos intervalos dos jogos e logo após o apito final, ele procurava o repórter da Globo para uma rápida entrevista exclusiva. Era, no mínimo, um acordo de cavalheiros. Nunca técnico e emissora divulgaram se havia um contrato entre as partes.
Alguns jogadores importantes, como Ronaldinho (Inter de Milão), também procuravam o microfone da Globo antes e durante a Copa do Mundo de 98 para entrevistas exclusivas. Agentes dos atletas informaram que aqueles jogadores também tinham "acordo de cavalheiros".
Quando Luxemburgo assumiu a seleção, a Globo perdeu a exclusividade. O vaidoso técnico procura todas as emissoras. Quanto mais tempo no ar e em diferentes canais, melhor. Pode ser nos intervalos, encerramento das partidas, pouco importa.
A Globo não gostou. A crise ficou evidente no intervalo do jogo entre Chile e Brasil, em Santiago. A seleção estava sendo humilhada. Tino Marcos, repórter da Globo, correu atrás de uma declaração de Luxemburgo e tudo o que ganhou foi um empurrão. Foi a gota d'água para a emissora abrir fogo contra o treinador.
Entrevista fatal Tino Marcos, em seguida, conseguiu a entrevista exclusiva com Renata Alves, ex-funcionária de Luxemburgo que denunciou o escândalo da sonegação fiscal. A matéria foi levada ao ar no Jornal Nacional. Na mesma semana, o programa No Mundo da Bola, da rádio Joven Pan, informou que Renata havia cobrado R$ 20 mil pela entrevista.
Na semana seguinte à entrevista no JN, Renata deu entrevista à CBN, rede de rádio das Organizações Globo, afirmando que daria nova entrevista a Tino Marcos, quando então divulgaria documentos provando que Luxemburgo ganhava dinheiro com a venda de jogadores. Essa entrevista ainda não foi ao ar.
Fontes do JT garantem que a Globo não teria colocado a denúncia no ar para não tumultar a seleção olímpica na Austrália. A rede teme ser responsabilizada pelo eventual fracasso do time nos Jogos. O petardo seria reservado para o retorno de Luxemburgo ao Brasil, uma espécie de "pá de cal" para abreviar a passagem do técnico pela seleção.
Luxemburgo não esconde o conflito com a Globo. Nos dias que antecederam o jogo contra a Bolívia, o técnico teve duas ásperas conversas com Tino Marcos. O caso chegou a Luis Fernando Lima, diretor de Esportes da TV Globo. Ex-repórter, o gaúcho Lima não engole Luxemburgo.
Nos bastidores da seleção, mais evidente na campanha das Eliminatórias, Luxemburgo vem mantendo uma relação tensa com a Globo. Da emissora, apenas o repórter Mauro Naves e o locutor Galvão Bueno gozam da simpatia do técnico.
Aliás, Galvão viveu uma noite tensa no último dia 2, véspera do jogo Brasil e Bolívia, no Rio. O locutor foi informado que o Jornal Nacional iria explorar a denúncia da revista Época, uma publicação da Globo, sobre o caso do "gato" de Luxemburgo, que tem duas datas de nascimento em seus documentos. Conversou com o treinador e com pares da Comissão Técnica da Seleção em busca de uma saída para a crise.
Naquela noite, Galvão e a reportagem do JT receberam indicativos de que Luxemburgo entregaria o cargo. Um telefonema de Ricardo Teixeira, presidente da CBF, ao técnico adiou a sentença final. Teixeira deu uma trégua ao treinador - vai durar até pelo menos o fim da Olimpíada - ou o fim do Brasil nela.
Pressão inútil Dentro da Comissão Técnica da seleção, suspeita-se que se Romário fosse convocado para a Olimpíada a Globo desistiria da pressão contra Luxemburgo. Nas duas semanas que antecederam a convocação final dos Jogos Olímpicos, a Globo, na maioria dos seus programas de esportes e até no Fantástico, fez uma acirrada campanha favorável à convocação do atacante do Vasco. A conta é simples: com Romário na seleção o `ibope' sobe.
"Recebemos um recado de um grande editor, um chefão da imprensa, dizendo para levarmos o Romário para a Olimpíada porque assim criaríamos um fato novo e todos esses supostos escândalos seriam abafados, esquecidos", confidenciou uma fonte próxima da Comissão Técnica da Seleção e da cúpula da CBF.
Luxemburgo não levou Romário. Ele e Ricardo Teixeira pagaram para ver.
Aguardam o desfecho da Olimpíada para ver o que pode ocorrer. O técnico sabe que está na berlinda. Sabe também que a crise que se instalou na seleção brasileira passa pela disputa da audiência e vendagem de jornais, em especial no Rio.
O primeiro jornal a denunciar o caso da sonegação com as acusações de Renata foi O Dia. Com tiragem de 320 mil exemplares diários, o jornal disputa a faixa do mercado com o jornal Extra, que superou o concorrente com 380 mil/dia. O Extra pertence às Organizações Globo e entrou firme no caso Luxemburgo. Este mesmo jornal é sócio da Federação do Rio de Futebol na organização do Campeonato Carioca, que nas últimas edições tem como estrela solitária o eterno Romário.