Sydney - O rosto dos Jogos de Sydney foi feminino. Embora os homens continuem sendo mais fortes e mais rápidos, as mulheres encarnaram melhor a determinação, a fortaleza e a necessidade de superação, um século depois de sua estréia nas Olimpíadas.
Sydney passará à história com as imagens de Marion Jones, Cathy Freeman, a corredora cega Marla Runyan, a nigeriana Glorie Alozie, a ginasta Andrea Raducan ou a argelina Nuria Merah-Benida.
O 'sabor mulher' veio primeiro das mãos da australiana Cathy Freeman, que acendeu a tocha olímpica e foi proclamada estandarte nacional e bandeira de seu povo, o aborígine, muito antes de ganhar a medalha de ouro nos 400m rasos.
Junto com ela, brilhou com igual ou mais intensidade a face da norte-americana Marion Jones, que surpreendeu o mundo dizendo que queria ganhar cinco medalhas de ouro. De fato, ganhou cinco medalhas, mas duas foram de bronze.
Os Jogos em que Jones sentiu sua maior alegria como atleta foram também dias em que viveu uma grande preocupação como mulher e esposa, depois que seu marido, o campeão mundial de lançamento de peso, CJ Hunter, foi acusado de doping.
"Estes foram os Jogos Olímpicos de Marion Jones e Cathy Freeman", admitiu o norte-americano Michael Johnson, que parte de Sydney com duas medalhas de ouro nos 400m e 4x400m.
E delas e de muitas outras. A necessidade de superação teve como maior representante a atleta Marla Runyan, uma mulher quase inteiramente cega que chegou em oitavo lugar na final dos 1.500 metros, tendo como meta uma linha branca praticamente apagada e percebendo as adversárias que tinha perto "apenas pela respiração".
A fortaleza ante a desgraça foi encarnada pela nigeriana Glory Alozie, que duas semanas antes de competir recebeu a notícia de que seu noivo, o também atleta Higinius Anugho, havia morrido atropelado por um automóvel em Sydney.
A africana perdeu vários quilos antes de competir, seu treinador tinha que alimentá-la botando a comida na sua boca, mas conseguiu a medalha de prata nos 100 metros com barreira e "teria conseguido a de ouro se não estivesse tão fraca para ser mais rápida no sprint final", segundo os técnicos.
E se Alozie representa a força de espírito, a também africana Nuria Merah-Benida encarna a determinação. A inesperada vitória desta argelina de 30 anos nos 1.500m "foi a vitória das mulheres árabes", que estão conseguindo superar os obstáculos policiais e sociais para treinar e competir em provas internacionais.
O desespero também teve rosto de mulher, ou melhor, de menina. A ginasta romena Andrea Raducan, ouro na prova completa individual, perdeu sua medalha quando um exame antidoping mostrou que havia consumido substâncias "proibidas" antes da prova.
Segundo os médicos, o causador foi um medicamento contra o resfriado, mas nenhum argumento livrou esta menina de 16 anos da rigidez das regras do Comitê Olímpico Internacional e assim passou da glória à suspeita, às críticas, ao vazio.
Centenas de histórias semelhantes estiveram escondidas em numerosas atletas que competiram em Sydney e já voltaram ao anonimato do qual saíram por algumas horas e minutos.
Felizmente, para trás ficaram a Grécia antiga, quando as mulheres não podiam nem sequer ver os Jogos, e a exclusão feminina no início das Olimpíadas da era moderna, em 1896. Justamente um século depois que duas mulheres participaram pela primeira vez em Jogos Olímpicos, elas continuam sendo menos rápidas e fortes que os homens, mas as armas de que dispõem os superam longe.