São Paulo - 'Ah! O nosso Corinthians.' A exclamação do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns ao começar a falar sobre a inacreditável má fase que o alvinegro atravessa, depois de dez derrotas consecutivas, resume o sentimento dos torcedores. O Corinthians virou motivo de angústia para seus torcedores e de chacota para os restantes. Antes de chamar D. Paulo, sua secretária perguntou o assunto e, ao saber, repetiu a brincadeira das outras torcidas. "O Corinthians?'', riu. "O Corinthians é dez!"
Dom Paulo pregou a renovação do elenco e a união entre dirigentes e jogadores como solução para o Corinthians: "Só a união faz a força'', disse, depois de avaliar que quem sofre mesmo é o povo "que é sempre fiel''.
Assim como o cardeal, empresários, artistas, ex-jogadores do Corinthians - Sócrates, Zenon, Homero - estranham a fase, pregam a renovação, propõem soluções administrativas. Sócrates, por exemplo, acha que a atual diretoria só consegue planejar "o café do dia seguinte''.
A polêmica é tanta que empresários do porte de Antônio Ermírio e Abram Szajman propõem soluções antagônicas: "Dá dor no coração ver o time jogar hoje. A administração atual não está nem aí. No Corinthians, a economia de gastos pode representar o fracasso. Está na hora da reação", clama Antônio Ermírio de Moraes.
Abram Szajman sobe nos brios e propõe corte drástico nos salários e a contratação de jovens que honrem a camisa: "Tem de ser no máximo R$ 20 mil. Aquela camisa tem de ser respeitada''.
O publicitário Washington Olivetto, um dos articuladores da Democracia Corintiana - gestão vitoriosa no início dos anos 80 - acha que tudo começou este ano, na noite em que o Corinthians perdeu a classificação na Libertadores para o Palmeiras e propõe: "Está na hora de começar um novo trabalho, sério, como ocorreu há dois anos''.
Distante dessas questões, o violonista, compositor e cantor e professor Paulinho Nogueira acha que "estão exagerando a crise do Corinthians''. Autor da música Ai, Corinthians, o artista separa a fase do time atual "do glorioso e eterno Sport Club Corinthians Paulista''. "Eu não estou muito preocupado. O Corinthians é maior que tudo isso.''
A despreocupação de Nogueira não é compartilhada pelo economista Marcel Solimeo. Corintiano de todas as horas, ele pede a "demissão'' de Marcelinho Carioca, que acha estar fazendo corpo mole, e a definição de uma nova filosofia para o time: ou um elenco de craques ou apostar no futuro, numa equipe jovem formada por pratas da casa.
Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns
"Ah! O nosso Corinthians. O que mais me abateu foi a tristeza do povo e de todos que torcem pelo Corinthians, como eu. Apesar de o Corinthians ter jogadores capazes, eles não conseguem chegar à área e acertar o gol. Mas lamento mais a tristeza de ver o povo sofrendo. Vejo o povo carregando a tristeza em São Paulo e, quem sabe pelo Brasil, por causa dessas derrotas.
É preciso união. As diretorias do clube são passageiras, o povo não. O Corinthians deve começar uma nova fase. Com novos jogadores. A direção tem de estar firme, unida e, junto com os jogadores, encontrar forças. Só a união faz a força.
O clima que se criou em torno do Corinthians e dos torcedores talvez tenha influenciado negativamente. O povo abandonou muito cedo o time. Mas o Corinthians vai entrar na luta aberta e se recuperar já no próximo jogo."
Abram Szajman
"Estamos vivendo outra época nos esportes. Os salários dos jogadores estão inflacionados. E ainda reservam uma desculpa, a de que exercem uma profissão de vida curta - mas salários de R$ 150 mil, R$ 200 mil, R$ 300 mil e até R$ 400 mil, como o do Rincón, não têm mais sentido. Até as profissões de mais tempo, como as dos treinadores, estão com os salários nas nuvens.
Veja o caso do Zagallo no Flamengo, com 70 anos, ganhando até R$ 200 mil, é o salário do principal executivo de empresas internacionais como GE Capital (claro que ainda tem os bônus), mas é outra coisa, salário de executivo americano. É uma discrepância muito grande.
Um País que tem salário mínimo de R$ 150 e tanto trabalho para aprovar R$ 180 não pode ter essas disparidades. Tem que fazer como fez o Palmeiras. Jogador deve ganhar no máximo R$ 20 mil, salário mais adequado à realidade do Brasil.
Os salários dos jogadores devem sofrer uma mudança radical. O que ocorreu é que a TV inflacionou os salários, mas agora está pagando para ver, pois até a audiência está diminuindo. Temos de pensar em poupar recursos. Outros esportes do País vivem à míngua. É até uma questão social.
Para que o Corinthians não se transforme em time pequeno, como um Juventus, uma Portuguesa, vai ter de pôr energia. Aquela camisa tem tradição. O jogador tem de se sentir honrado em vesti-la. Acredito que o novo vice-presidente de Futebol, o Roque Citadini, faça essa mudança. Acho que ele deveria limitar os salários a R$ 10 mil e chegar ao máximo a R$ 20 mil.''
Antônio Ermírio de Moraes
"O Corinthians merece um planejamento da melhor qualidade. Ficou em má situação por causa da bagunça que reinou no seu departamento de Futebol. Vendeu jogadores e não se preocupou com a reposição. Se vendeu bons atletas, deveria contratar melhores ou similares, pelo menos.
Receio que ocorra um tipo de administração do clube semelhante à que foi adotada pelo Palmeiras, que depois foi praticamente abandonado pelo patrocinador. O Corinthians há dois anos enfrentou um problema semelhante, aí chegou uma organização com o Wanderley Luxemburgo à frente. Deu certo. Houve boas contratações, o clube foi para frente. Ganhou o Campeonato Paulista, dois Brasileiros e o Mundial por último.
Dá dor no coração ver o time jogar hoje. Está sem grandes jogadores. Praticamente abandonado. A administração atual não está nem aí. O Corinthians deve passar novamente por uma reformulação total. No Corinthians, já está provado, a economia de gastos pode representar o fracasso. Foi o que aconteceu neste ano de 2000. Só ganhamos o Mundial com o time formado em 98. Depois disso, as coisas degringolaram. Entendo que o clube não pode permanecer nesta situação. Está na hora da reação.
Defendo uma renovação do elenco por completo, com novos jogadores, verdadeiros craques. O Corinthians atual não comporta jogadores de nível médio. Hoje o time tem uma defesa falha e não tem goleiro. Não tem meio-de-campo e, no ataque, faltam goleadores. O Candinho deve ficar. Ele conhece futebol. Tem experiência, merece respeito. Com jogadores de nível fará um excelente trabalho."
Paulinho Nogueira
"Está havendo exagero muito grande e isso está se transformando num marketing contra o Corinthians. O problema dessas derrotas é que são em série, mas é preciso fazer uma distinção entre time e clube. Um time vive fases; o clube é intocável. Mas acho tudo um exagero.
Não estou muito preocupado com isso. Não abala a instituição Sport Club Corinthians Paulista. O que está havendo é que os jogadores estão tendo traumas. É só o pessoal acreditar, não deixar o nervosismo dominar. Vamos ter um técnico novo, diferente. A decisão de demitir o Oswaldo de Oliveira foi esdrúxula. Mas o Corinthians é maior que tudo isso."
Washington Olivetto
"O ideal seria voltar à noite em que o Corinthians foi eliminado da final da Libertadores pelo Pameiras. Perdeu nos penâltis. Foi a partir dali que o Corinthians começou a se desmontar. Parte da torcida e da diretoria se deixou dominar pela emoção e se iniciou um processo de desmanche do time que havia sido campeão mundial e bicampeão brasileiro
Muitos dos que partiram para a agressão de jogadores não podem ser considerados corintianos. Houve falta de habilidade da diretoria. Também tomada pela emoção, fez bobagem. Saiu um técnico que era bom para o Corinthians pois sabia conter sua emoção e trabalhava corretamente. Todo o trabalho foi jogado fora.
Não se pode deixar de esquecer que vários títulos foram alcançados. Mas houve novamente a emoção da perda da Libertadores, a segunda que o time perdia. Isso foi ruim. Se contratou um técnico novo; se iniciou um novo trabalho, com um preparo físico diferente. Não houve tempo para uma pré-temporada. Ao contrário. Ainda se contratou uma série de jogadores que vinham emprestando nos últimos meses seus passes a outros clubes. É preciso ter um certo afeto pelo clube.
A Copa João Havelange teve um Corinthians fragilizado por sua própria conta. Por conta da inabilidade de dirigentes e de parte da torcida, que não posso nem chamar de corintiana, pois fizeram tudo errado. O caminho não é bater nos jogadores.
Quando o Corinthians está em evolução, ela é geométrica. Assim também é quando vai para baixo. Ainda pode apanhar umas duas ou três vezes, sem dúvida alguma. Está na hora de se começar um novo trabalho sério, como ocorreu há dois anos e meio. Rapidamente."
Marcel Solimeo
"A primeira coisa a fazer é vender o passe do Marcelinho Carioca. Nos últimos jogos, ele cismou de ficar na meia-esquerda na posição do Ricardinho, não vai mais para a posição dele. Com isso, o Rogério não desce, o Djair também não tem pernas e o Corinthians fica sem opção. É só o adversário bloquear o lado esquerdo e acabou o time. Gostaria de saber quem enfiou na cabeça dele que ele é meia-esquerda.
Marcelinho faz isso deliberadamente, mas não é o único problema. Mas se tem um jogador da importância dele, que não joga com vontade, prejudica. O time todo tem que ter disciplina. O Marcelinho deveria puxar o time e justificar o que ganha. E não ocupar espaço do campo onde não se comprometa.
A segunda coisa, o time do Corinthians no segundo tempo morre. Destruíram o condicionamento do time e ainda contrataram jogadores fora de forma. Agora tem que se estudar criteriosamente o time que se vai montar. Analisar a filosofia que se vai adotar. Ou jogadores bons, famosos, ou pratas da casa.
Foi um grande erro desmontar o time no meio do campeonato, depois ficar contratando a esmo, pegando o que aparece. Nesse finalzinho, só devia pôr a garotada em campo. Pelo menos, se perder, perde com raça. Depois, reformular o elenco com inteligência.
Cacá Rossetti
"É o crash. Pior do que aconteceu com a economia mundial em 1929. Como pode um time que foi campeão mundial há um ano, ganhou títulos paulistas e brasileiro chegar a isso? O time tinha Dida, Vampeta, Rincón, Edílson. Defesa nunca teve. Mas o time foi sucateado. A diretoria vendeu mal e comprou mal, Muller Djair. A defesa é um lixo, se juntar os quatro não dá um.
"Não que um time tenha que ganhar sempre, agora, perder sempre também não dá. É o fim da picada. Outro dia me convidadram para a festa da nona. Pensei que era para comer pizza. Não, era a festa da nona derrota. É uma marca histórica, para não dizer histérica. É das piores fases que o Corinthians já teve.
"O futebol brasileiro não está nenhum brilho, mas perto do Corinthians, o Chapetuba é o Manchester United. É preciso repensar a estrutura e a administração do futebol. Talvez o corinthians seja o emblema de tudo isso. Os investimentos que foram feitos, o modelo gerencial, talvez tudo isso esteja superado.
"Do ponto de vista de estrutura é um problema do futebol brasileiro. A seleção foi um vexame, é a pior fase do futebol brasileiro nos últimos 50 anos. Quando um clássico reúne só 2 mil pessoas? Gente que convido para uma festa minha.
"Gosto de futebol, sou corintiano roxo. Mas estou totalmente desmotivado. Acompanho, discuto, torço, gosto de ir ao estádio, mas ando desinteressado. Caímos num círculo vicioso terrível. Sou de 55. Passei toda a minha infância e adolescência sendo gozado - talvez por isso seja um cara normal, com surtos psicóticos - e minha primeira alegria foi quando o Corinthians quebrou o tabu com o Santos. Depois, o título em 1977."
Sócrates
"A falta de planejamento foi a principal causa da crise da equipe mais popular de São Paulo. Não houve critérios para a contratação de jogadores. O trabalho da atual diretoria carece de profissionalismo. As mudanças de jogadores foram feitas sem critério, como as contratações de Assis e Muller. Alguns atletas do atual elenco estão com medo de jogar. Não seria corpo mole, apenas receio. Tem gente que deveria assumir a responsabilidade e está se omitindo.
"Fazer o que? Uma total reestruturação da diretoria a partir de 2001. A questão é política, os atuais dirigentes do Corinthians conseguem planejar somente o café do dia seguinte"
Zenon
"O time está sofrendo os reflexos das transformações que ocorreram após a conquista do primeiro Mundial de Clubes. Houve muitas mudanças. A saída de alguns jogadores, principalmente a do Vampeta, prejudicou muito. O time também perdeu o Edílson, que era o puxador dos contra-ataques, o jogador que dava velocidade ao time.
Futebol é assim. Todos os times que mexem muito sofrem as conseqüências. Agora, o jeito é ter paciência. O time precisa de tempo para se recompor."
Homero
"No meu tempo, a gente não podia perder dois jogos seguidos, imagina dez. Acho isso que está acontecendo tudo muito esquisito. Nem gostaria de falar muito porque ando distante do futebol. Mas, como ex-jogador do Corinthians, lamento a crise pela qual passa o clube. Acho que alguma coisa errada deve estar ocorrendo. O time não merecia estar nesta situação."