Rio - Mário Jorge Lobo Zagallo tem mais um desafio pela frente: levar o Flamengo ao tricampeonato. Mais um desafio para o único tetracampeão mundial e que ele vê com a energia de um iniciante. Nesta entrevista, ele fala da sua confiança na equipe e diz que espera contagiar os jogadores com sua vibração.
LANCE!: Com 50 anos de futebol e quase todos os títulos que um profissional pode querer, o que o motiva a continuar trabalhando?
ZAGALLO: Por mais que me sinta realizado dentro do esporte, vou querer sempre mais. Se não fosse assim, ficaria pescando ou jogando tênis. Tenho uma vida vencedora e não penso em parar. Minha mulher fala que é hora de viver um pouquinho, pois a vida é sacrificante dentro do futebol. Mas eu sou movido a títulos. Talvez por isso tenha ficado um ano esperando para assumir um clube. Esperei um ano pela chance de voltar a ser campeão.
L!: E aí veio o Flamengo...
Z: Nunca abandonei o futebol. É impossível dissociá-lo da minha vida. Eu acompanhava tudo. Recortava jornais com notícias dos clubes, mas dava atenção especial aos que estavam em má fase. Sabia que dali poderia surgir um convite. Quando o Flamengo me chamou, sabia exatamente o que estava se passando no clube. E tinha certeza de que o Flamengo me daria a chance de disputar títulos.
L!: O Flamengo que o senhor encontrou no ano 2000 é muito diferente do clube em que jogou nos anos 50?
Z: O futebol evoluiu. Na minha época, Fleitas Solich treinava o time, os goleiros e cuidava da parte física. Mas uma coisa não mudou. O Flamengo sempre foi diferente por sua torcida, que fez a grandeza do clube. A torcida do Flamengo é diferente. Você abre a porta de casa e encontra um rubro-negro. Por isso, me orgulho de trabalhar no clube.
L!: Depois de ser tetracampeão mundial, chegou a hora de levar o Flamengo ao quarto tricampeonato?
Z: O clube ganharia mais uma estrela no escudo. E eu já estou acostumado a essa quarta estrela. Mas vou trabalhar como se estivesse começando. Trabalho por prazer.
L!: O senhor se sente um exemplo para os jogadores mais jovens, ao trabalhar e vibrar com o time mesmo sendo a única pessoa no mundo que tem quatro títulos mundiais?
Z: Quero que eles tenham essa vibração e procuro passar isso. Mas cada um reage a seu modo.
L!: É possível comparar o time tricampeão em 1955, do qual o senhor fez parte, com o atual, que vai brigar por outro tri?
Z: O título é idêntico e, para mim, terá o mesmo significado. Não importa se eu estava começando na época e se agora já tenho vários títulos na carreira. Naquela época, o grupo muda-
va pouco de um ano para o outro. Hoje, por exemplo, do time que vai tentar o tri poucos jogadores estavam no grupo em 99, quando o Flamengo iniciou a caminhada. Quanto à forma de jogar, a parte física influenciou a tática. O futebol vistoso, clássico e elegante daquela época dificilmente se repetirá algum dia.
L!: Mesmo com as peças que perdeu, até onde esse Flamengo de hoje poderá ir? Além do tri, a torcida pode sonhar com a volta à Libertadores?
Z: Esse time tem condições de brigar por qualquer título. Ofensivamente, temos jovens de grande valor, como Reinaldo, Adriano e Roma, além de astros como Petkovic e Edílson. Não vamos sentir tanto a saída de Denílson e Alex. Na parte defensiva, que era nosso grande defeito no ano pas-
sado, também temos condições de armar um time mais seguro. Vamos brigar pelo tricampeonato e temos tudo para voltar à Libertadores. Seja pelo Rio-São Paulo, que leva à Copa dos Campeões, seja pela Copa do Brasil. Mas também temos o problema da lateral esquerda. Não mudo meu discurso. Perdemos Athirson e, pela sua qualidade, precisávamos de um jogador de nível para o setor. Improvisei Bruno Carvalho, foi a melhor maneira que encontrei de solucionar o problema. Só com os jogos vamos ver como o time vai reagir.
L!: O Flamengo terá peças de reposição para suportar um calendário tão massacrante?
Z: Essa é outra questão que só o tempo poderá responder. Será que perdendo três ou quatro titulares o time vai conseguir manter o nível? Ter um ótimo time, como nós temos, é importante. Mas o fundamental é ter um grupo, com peças de reposição.
L!: O senhor fala com orgulho de suas conquistas pelo Flamengo. Diante do que é o mercado do futebol hoje em dia os jogadores conseguem entender o que é jogar pelo clube?
Z: Eu tento passar isso sempre para eles. Mostro que, para vestir a camisa rubro-negra, é preciso ser diferente. A camisa do Flamengo é fogo! É sempre respeitada, se impõe. Eu vivi isso e tenho muito orgulho de ter vestido essa camisa e de ter sido tricampeão. O Flamengo é garra, é vontade, e a torcida quer entrega. Ela sabe quem é quem. Eu digo isso ao time, que a torcida sabe julgar quem joga pelo Flamengo.
L!: E esse time atual vai ser capaz de preservar a característica do clube?
Z: A torcida terá orgulho de ver essa equipe. Espero que ela nos ajude e peço a presença nos jogos. É uma convocação para que os rubro-negros estejam do nosso lado nos momentos difíceis e nas vitórias.
L!: O senhor sempre exalta as qualidades do jogador brasileiro. Como é trabalhar com um iugoslavo que tem um toque tão brasileiro?
Z: É muito bom ter no time um jogador como Petkovic. Ele tem uma categoria incrível. Mas o país dele é uma escola de jogadores hábeis. Petkovic está se soltando comigo. Eu procurei lhe dar total liberdade. Um dia, cheguei e disse a ele: você é estrangeiro, mas aqui é tão benquisto quanto qualquer outro. Ele já é um ídolo da torcida. Isso já está provado.
L!: O jogador de futebol de hoje é muito diferente daquele de, por exemplo, 30 anos atrás?
Z: Antigamente, o jogador se apegava mais ao clube. Eu mesmo fiquei atuando oito anos pelo Flamengo e dez anos pelo Botafogo. Havia mais identificação, mais comprometimen
to com resultados. No Flamengo, por exemplo, Alex e Denílson ficaram três meses, ou um pouco mais. Até mesmo uma criança, que quer montar um time de botões, tem de mu-
dar a toda hora o papelzinho para identificar os jogadores. O atleta tinha mais amor ao clube, o relacionamento era diferente.
L!: O cargo de técnico da Seleção se tornou um peso insuportável. Por que tantos treinadores o recusaram?
Z: Respeito a posição de cada um, mas, para mim, dirigir a Seleção é a glória, é chegar ao topo. Sempre que me convidaram fui de peito aberto, ainda que o momento não fosse tranqüilo. Sou verde-amarelo acima de tudo. Fui jogador da Seleção e encarei a vida de treinador. Coloquei a cara quando fui chamado.
L!: O senhor concorda com a frase de Wanderley Luxemburgo, de que o futebol brasileiro, só com a qualidade, não faz mais a diferença na América do Sul?
Z: Não sei em que circunstâncias ele disse isso. Mas o futebol brasileiro é tetracampeão do mundo e nunca deixa nada a desejar a país algum. Já mostrou toda a sua pujança e não pode temer ninguém. O técnico da Seleção Brasileira tem material humano para ganhar qualquer título. Basta trabalhar essa qualidade, dentro e fora de campo.
L!: É possível falar na história do futebol brasileiro sem falar em Zagallo?
Z: Eu pertenço a essa história, tenho certeza. Mas cada um deve dar a mim a importância que quiser.
L!: O jogador de futebol ganha muito hoje em dia?
Z: Os craques ganham muito. Diante da realidade do país, do que ganha o povo brasileiro, pagar 400 mil dólares a alguém é um exagero. Tudo bem que na Europa se pague isso, mas a
realidade de europeu é diferente.