Belo Horizonte -
A 30 dias da estréia do Cruzeiro na Copa Libertadores da América,
quando enfrenta o Sporting Cristal, no dia 14 de março, em Lima, no
Peru, o técnico Luiz Felipe Scolari considera fundamental para o êxito da
equipe na competição a combinação de fatores como a qualidade
técnica, a competitividade e união do grupo. "É preciso ter um grupo de
jogadores voltados para a disputa da competição. E, principalmente, com
espírito de grupo", argumenta o treinador.
Ele não esconde a expectativa pela estréia na Libertadores, a competição
mais importante sul-americana, e acredita que somente nos últimos dez
anos os times brasileiros se imbuíram do espírito de luta do torneio. "Os
argentinos já têm há muito tempo esse espírito de Libertadores", explica
o técnico, para quem brasileiros e argentinos são, teoricamente, favoritos
ao título desta temporada. Diz ainda que sonha com o tricampeonato da
Libertadores _ que venceu em duas ocasiões: com o Grêmio, em 1995, e
o Palmeiras, em 1999. E fará de tudo para levar o Cruzeiro também ao
seu terceiro título na competição.
Com isso, ele espera, em pouco tempo, ter uma equipe no ponto para a
disputa da competição. Scolari também não esquece da disputa do
Campeonato Mineiro, principalmente pela rivalidade existente com o rival
Atlético, atual bicampeão.
Sobre Belo Horizonte, Scolari garante que está bem adaptado à cidade.
"É uma cidade grande, mas ainda pequena. O trânsito, por exemplo,
daqui é legal e não maluco como o de São Paulo", ressalta o técnico,
que, aos poucos, vai se rendendo ao estilo mineiro, desconfiado e fala
mansa.
Para se conquistar uma Copa Libertadores da América é preciso ter
uma equipe de qualidade técnica, espírito coletivo e raça,
necessariamente nessa ordem?
Não necessariamente nessa ordem, mas com todos esses ingredientes.
Para conquistar uma Libertadores é preciso ter uma equipe competitiva,
com qualidade e com o pensamento voltado para as dificuldades da
competição. Tem que conhecer algumas coisas extra-campo, a
mudança de arbitragem é muito grande. E tem que ter espírito de grupo
perfeito.
A Libertadores é prioridade do clube e dos torcedores, que querem
ver o Cruzeiro como primeiro time brasileiro a conquistar o
tricampeonato da competição. Isso aumenta a responsabilidade?
Não aumenta. Porque também queremos ser campeão da Libertadores.
Já conseguimos duas Libertadores em times que trabalhamos e
gostaríamos de ser tricampeões. E vamos trabalhar para isso. Vai ser
trabalhado, principalmente, o espírito de vencer, uma dinâmica para
vencer, mas pode ser que tenhamos equipes melhores. E pode ser que,
em determinado momento, nós não sejamos a equipe qualificada.
Existe favorito?
Sempre que começa a Libertadores, duas equipes brasileiras, das quatro
que disputam, vão se sobressair. Se estivéssemos entre os oito
classificados, eu te afirmaria hoje, categoricamente, que dois argentinos
e dois brasileiros estariam entre eles. Certeza absoluta, como dois e dois
são quatro; e se não for mais. O argentino tem o espírito de Libertadores,
nós estamos criando esse espírito nos últimos dez anos. Mas ainda
temos algumas diferenças que os argentinos sabem trabalhar bem:
campo, espírito, arbitragem. Nós sofremos muito, porque temos um outro
estilo de condução de jogo.
Como a equipe vai adquirir entrosamento para a Libertadores se a
cada jogo tem uma escalação diferente?
Naturalmente não vou jogar na Libertadores com a mesma equipe e os
mesmos jogadores todos os jogos. Se você olhar as equipes que
vencem a Libertadores, sempre tem, de um jogo para outro, substituição
por lesão ou cartão. Daqui para frente, a cada jogo vou modificar no
máximo dois ou três jogadores, independente de posição. Para que todos
tenham as mesmas condições no momento de jogarem uma partida. Se
precisar de um jogo para outro, de uma quarta para o domingo, modificar
em três posições, a equipe está preparada e não vai sofrer nada.
Voltar ao Japão para a disputa do Mundial Interclubes é atualmente
seu maior sonho?
Naturalmente. Estivemos lá duas vezes e perdemos. Uma nos pênaltis (o
Grêmio foi derrotado pelo Ajax, da Holanda) e uma no jogo direto, num
crime, porque a equipe do Manchester não foi melhor do que a do
Palmeiras (1 a 0 para o Manchester).
Como o senhor analisa as negociações frustradas para trazer
jogadores como Rogério e Marcelinho Carioca, que seriam suas
indicações para esta temporada?
Os dirigentes tentaram, mas não deu certo. Primeiro pelo valor
financeiro. Os valores não batem com o que o Cruzeiro entende ser a
realidade do futebol brasileiro. O Cruzeiro já trabalha com uma
possibilidade de, no futuro, uma mudança na estratégia de valores, de
grupo. Já passamos à direção do clube alguns nomes de jogadores
desse grupo que poderão ser incluídos em transações. Porque temos
três, quatro numa posição e os gastos deverão ser menores. O Rogério
foi mais uma situação de birra do Corinthians, porque entenderam que o
Müller não foi bem. Ninguém pode dizer que se o Rogério viesse seria útil
ou não teria uma lesão, foi mais uma coisa pessoal. O Rogério não
esbarrou numa situação financeira, não. Tentamos outros jogadores com
qualidade, mas não conseguimos devido aos valores dos passes. O
grupo é bom, mas precisaríamos de mais um com grande qualificação
técnica para realizar aquilo que desejamos.
Esse grupo é suficiente para fazer uma campanha vitoriosa neste
primeiro semestre, principalmente em se tratando de Libertadores
e Campeonato Mineiro?
É um grupo de boa qualificação. Se pudesse fazer uma contratação, faria
de um jogador específico que fizesse aquilo que desejo com a bola
parada.
O paraguaio Arce seria o ideal?
Seria o ideal. Mas os valores não batem e não adianta a gente ficar
sonhando.
O senhor tem um time ideal?
Tem determinada época que, depois de um tempo de trabalho, acaba-se
tendo uma equipe no ponto, o time ideal. Teve uma época no Grêmio, em
1995. Do início ao fim. Tinha o Adílson, o Arce, o meio-campo compacto,
o ataque com Paulo Nunes e Jardel. As jogadas fluíam naturalmente.
Teve um tempo no Palmeiras de janeiro a junho de 1999 a equipe era o
ideal. Tanto os titulares quanto os reservas. As coisas fluíam muito bem.
São situações que só se vive depois de certo tempo no ambiente de
trabalho. Acho que o Cruzeiro pode chegar a uma situação boa, quase
ideal a partir de março em diante.
O senhor é conhecido por suas exigências dentro e fora de campo.
O jogador precisa ter um comportamento exemplar fora dos
gramados?
Eu não cobro o exemplar, cobro o normal. O jogador vive do seu corpo.
Quando ele está bem fisicamente, ele rende. Para estar bem
fisicamente, ele não pode dormir às três da manhã para treinar às nove
horas. Ele não pode ter três famílias ao mesmo tempo; ele não pode se
dedicar a duas religiões ao mesmo tempo.
Você tenta influir em outros setores do Cruzeiro (categorias de
base, formação de jogadores)?
Procuro realmente participar dos projetos e formação das equipes. E da
possibilidade desses jogadores ficar no clube trabalhar com os
profissionais, jogando nos juniores. Às vezes, trabalhar e ser emprestado
para equipes de médio porte e ganhem experiência e adiantem um ano
de seu trabalho.
Como está sendo sua relação com a cidade?
Muito boa, diria ótima. Embora não tenha tido nenhum problema nas
cidades e com os povos que convivi. Alguns falam que na Arábia é difícil
viver. Vivi com minha família e convivi maravilhosamente, tenho grandes
amigos. Tive três anos no Kuwait e outros três na Arábia. No Brasil, já
estive em Santa Catarina, Goiás, São Paulo, Alagoas, Rio Grande do Sul.
Fiz amizades com o povo. Em Belo Horizonte, estou contente e minha
família, satisfeita. É uma cidade grande, mas, como costumo dizer, ainda
é pequena. Porque a gente vê tanta coisa boa. Eu que convivi com
aquele trânsito maluco em São Paulo, aqui vivo em um trânsito legal.
Para vocês parece ruim, para mim é ótimo. A gente se acostuma com
algumas diferenças. Sempre estive nesses lugares acompanhando da
família.
Hoje