Belo Horizonte - Pobre, faminto, magricela e com solitária (taenia solium). É com este estilo simples e franco que Zequinha Barbosa lembra as dificuldades enfrentadas em suas primeiras passadas no atletismo. A infância e a adolescência de poucos recursos são lembradas agora, quando um dos principais nomes do esporte no país busca seu lugar em outra “pista": a questão social. Barbosa está em Belo Horizonte, onde arremata parceria com o Fundo Cristão para Crianças para a criação do Instituto Zequinha Barbosa.
Em troca de know-how, o fundista, terceiro maior competidor dos 800 metros, será garoto-propaganda da associação filantrópica, que tem 35 anos de atividades. “Quero adquirir conhecimentos através destas associações para não cometer erros. Quero fazer algo sólido, com início, meio e finalidade, ao contrário de outros projetos no país, que tem início, meio e fim. É algo para durar 200, 300 anos", adianta Zequinha Barbosa, que chegou a Belo Horizonte na tarde de quinta-feira.
O Instituto Zequinha Barbosa será inaugurado em agosto, em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, com o apoio de várias entidades, entre elas o Instituto Ayrton Senna. A instituição pretende fazer, inicialmente, trabalho com 100 crianças da comunidade Aerorancho, em Campo Grande. A localização da sede será dentro da comunidade, onde já há a pista de atletismo Zequinha Barbosa, no Parque Ayrton Senna.
No Instituto, as crianças da comunidade estudariam pela manhã e à tarde participariam de atividades culturais e esportivas. O carro-chefe no esporte não poderia ser outro que não o atletismo - “Afinal, é meu esporte", salienta Zequinha. Mas o corredor, nascido em Três Lagos (MS), frisa que seu objetivo não é formar atletas, mas sim cidadãos. “Quero fazer campeões em personalidade, respeito, caráter e amor. Se sair algum campeão no atletismo será o confete do bolo", avisa.
Através da educação e do bem-estar, o fundista quer incutir na garotada a disciplina, a determinação e a coragem, características que fazem o perfil de um atleta. “Não sei se chegaremos a um Zequinha Barbosa, porque o que aconteceu comigo foi um dom divino, mas quem aparecer será encaminhado para um centro de desenvolvimento. Eu não tive amparo quando comecei. Eu era muito pobre, mas fui muito bem educado. Tudo o que aprendi foi com minha mãe, Livaneta de Araújo Barbosa", recorda.
A entrada na cena social coincide com o momento em que vai deixando, gradualmente, as pistas de atletismo. Com 40 anos, mas “com vigor de um garoto de 22 anos", Barbosa confidencia que não está abandonando as competições devido ao peso da idade. O motivo principal é a falta de incentivo no país. Seu último clube, o Vasco da Gama, deve US$ 6 mil dólares ao corredor. “Ainda estou com muita energia. Tenho mais preparo físico que os jogadores de futebol do Brasil que perderam para a França".
Zequinha encerra a sua carreira sem carregar nenhuma frustração. Não lamenta nem mesmo a ausência de uma medalha olímpica no currículo - o melhor resultado foi um quarto lugar na Olimpíada de 1992, em Barcelona. Sua maior alegria foi a conquista do Troféu Brasil de 1983, em São Paulo.
Outros momentos marcantes foram as conquistas nos Jogos Pan-americanos (1995), o Grand Prix de Roma (1986) e a prata no Campeonato Mundial de Tóquio (1991). Em 1991, terminou a temporada como nº 1 do mundo.
Formado em Jornalismo e Marketing, Zequinha mora há 18 anos em San Diego, nos Estados Unidos, e fala fluente mente inglês, francês e italiano. “Com tudo isso, do que tenho que me sentir frustrado?".