O Brasil terminou a última Olimpíada deste
século com apenas 12 medalhas - seis de prata e seis de bronze.
Ficou atrás de países como Indonésia, Cazaquistão, Moçambique e
Azerbaijão, potências olímpicas para ninguém botar defeito.
Mas se na disputa pelo pódio houvesse medalha
de ouro em críticas, certamente o Comitê Olímpico Brasileiro (COB),
sob o comando de Carlos Arthur Nuzman, seria praticamente imbatível
na classificação geral.Deixaria os Estados
Unidos na lanterna.
Não foram poucas as reclamações de atletas
que ecoaram pela Vila Olímpica. A grande maioria condenou o pouco
caso como o esporte é tratado, a falta de apoio do governo e do
COB. Não escapou nem o enxoval distribuído pela Olympikus, patrocinadora
oficial da delegação brasileira.
O material variou de acordo com a cara do
freguês, ou seja, de acordo com as possibilidades de medalha. "Os
atletas de ponta foram privilegiados. Receberam mais roupas que
os demais", revelou um dos integrantes do segundo time, que pediu
para não ser identificado com medo de sofrer represálias e acompanhar
os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, apenas pela televisão.
Também no tratamento médico os queridinhos
do poder receberam mais atenção. Um bom exemplo de como imperou
a política de dois pesos e duas medidas foi dado logo na abertura
da competição. O mosca-ligeiro José Anastácio de Albuquerque, o
Dedé, tetracampeão brasileiro e vice sul-americano, ficou fora da
festa por causa de um simples par de sapatos. A Olympikus se esqueceu
de enviar um ao atleta, que calça 35. Mandou um autêntico pé-de-pato
ao pugilista.
Na entrega das medalhas de prata ao revezamento
4 x 100 m, mais uma prova do descaso como é tratado o esporte. O
técnico da equipe, Jayme Netto, disse que não se poderia esperar
mais de uma equipe que treina numa pista tão ou mais esburacada
que as ruas de São Paulo. "Ela é muito perigosa, não tem a mínima
condição."
Já o velocista Claudinei Quirino preferiu
trocar o oba-oba por um apelo ao presidente FHC. "Não sei se ele
vai me ouvir, mas não posso ficar calado. Quero apenas uma pista
adequada para poder treinar com meus companheiros."
A liberação de uma verba foi solicitada várias
vezes antes dos Jogos. Ninguém deu bola. Nem o governo, por meio
do Indesp, e muito menos o COB. E o custo da reforma não ultrapassa
R$ 500 mil, uma quantia irrisória se comparada à da nau Capitânia,
que consumiu R$ 4 milhões e naufragou na festa dos 500 anos do descobrimento
do Brasil.
Nuzman comanda festival de mordomias
Com a mesma prepotência que caracterizou o técnico Luxemburgo ao
longo dos dois últimos anos à frente do futebol, o presidente do
Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, anunciou
que as 15 medalhas de Atlanta marcavam o início do nascimento de
uma grande potência olímpica.
"Ganhamos mais medalhas que o Japão e o Reino
Unido. E vamos colocar muito mais no peito em Sydney", prometeu
o cartola, quatro anos atrás. Sempre com o ar de deus do esporte,
ele embarcou para a Austrália afirmando que a delegação era menor
em relação à de Atlanta porque havia trocado a quantidade pela qualidade.
Todo mundo viu o resultado. Apenas 12 medalhas.
Como o COB levantou R$ 24 milhões em patrocínios,
cada uma custou, a grosso modo, R$ 2 milhões. Se as medalhas foram
escassas nas competições, o mesmo não se pode dizer do festival
de mordomias bancado pelo COB. Embora Nuzman negue, houve farta
distribuição de credenciais aos convidados do mandachuva olímpico.
Ex-atletas sem nenhuma função, filhos de
autoridades de Brasília e afins desfilaram orgulhosamente pelo Parque
Olímpico, enquanto técnicos e familiares de atletas foram obrigados
a encarar filas nas bilheterias ou recorrer aos cambistas para poder
entrar nos ginásios e estádios.
Nuzman incluiu na delegação de mais de 200
pessoas o psiquiatra Roberto Shinyashiki. Contratado para ajudar
os atletas, ele mais perturbou a cabeça da turma do que ajudou.
Numa das reuniões de grupo, pediu para o pessoal lavar a roupa suja
e por muito pouco não houve troca de socos e pontapés, provocando
uma crise que poderia ter custado uma das medalhas mais importantes
do pais na última Olimpíada do milênio.
Sansão brasileiro grava CD
De volta ao Brasil, o saltador
Nelson Ferreira Júnior aproveitará as férias para realizar um sonho:
gravar o quarto CD. Fã do rock-pop e de blues, sem ignorar a música
sertaneja, o atleta já foi baterista das bandas 'Lorraine', de Presidente
Prudente, e 'Belos Maldidos', de São Paulo.
Nos momentos de folga em Sydney, o cabeludo
Nelson esboçou algumas letras e pretende concluí-las com a ajuda
de amigos. "Sempre fui muito ligado em som. Gosto de solo de guitarra
e das letras de Renato Russo, Cazuza e Raul Seixa", disse o saltador,
que atribuiu a uma contusão o fraco desempenho em Sydney. "Só não
desisti da prova porque meu técnico, Aristides Junqueira, pediu.
Não tinha condições para nada. Sentia muitas dores no tornozelo."
Nelson é considerado um galã das pistas pelos
companheiros. Sempre provoca frisson na mulherada pelo porte físico
e longos cabelos, que pretende deixar crescer até a cintura. "Nos
shows, elas chegam a beliscar; no atletismo, são mais discretas.
Pedem um autógrafo e uma foto", afirmou o atleta, 27 anos, pai de
Aline e Fernanda.
Recém-separado, ele não pretende investir
tão rápido em um novo romance. "Tenho medo de sofrer outra decepção."
Iatistas despacharam meteorologista
Como os ventos que sopram na Austrália são mais traiçoeiros que
a maioria dos políticos brasileiros, os integrantes da equipe de
iatismo do Brasil não quiseram correr riscos e contrataram um meteorologista
da Nova Zelândia para ajudá-los na estratégia das provas.
O sujeito, porém, cometeu tantos erros, que
a turma achou melhor ignorar suas previsões. "Ele não acertou uma.
Decidimos, então, entrar no mar com a cara e a coragem", afirmou
o sempre bem-humorado Marcelo Ferreira, proeiro de 120 kg de Torben
Grael na classe Star.
Ele aproveitou também para dar uma alfinetada
no comportamento da imprensa, que só se preocupa com a turma de
velejadores em grandes competições. "É uma coisa interessante, o
pessoal lembra da gente apenas na época de uma Olimpíada. Na verdade,
até acho que isso é bom. Quando volto para casa, posso andar na
rua tranqüilamente, sem ser reconhecido. Fico meio sem graça ao
receber um pedido de autógrafo", disse Marcelo.
Bronze com Torben em Sydney, o proeiro afirmou
ter esperanças que o esporte ganhe mais adeptos no país, principalmente
entre as mulheres. "Eu, o Torben e o Scheidt não precisamos de ajuda,
pois já estamos velhinhos. Deve-se, agora, apoiar o iatismo feminino,
que necessita crescer no Brasil", pediu o bonachão Marcelo.
Frase do
dia
"O hipismo é bem diferente de uma escola.
Um oito é excelente na faculdade; no picadeiro, o melhor é tirar
zero"
- General Santa Cruz, chefe da equipe brasileira de hipismo em Sydney,
antes de o Brasil cair literalmente do cavalo com Rodrigo Pessoa
e Baloubet du Rouet.
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