O alívio de cinco anos do regime despótico dos radicais islâmicos do Talibã parecia um sonho distante para os afegãos até surgirem as notícias de 11 de setembro de 2001. Pouco depois dos turbulentos incidentes do outro lado do mundo, muitos no país já previam uma guerra comandada pelos Estados Unidos na porta de suas casas. Afinal, o dissidente de origem saudita Osama Bin Laden foi rapidamente responsabilizado pelos ataques, e ele vivia no Afeganistão como convidado de honra do regime Talibã.
Pouco mais de dois meses depois, com a ação militar norte-americana, o regime islâmico já tinha sido derrubado, levando consigo uma rígida interpretação das escrituras que proibia a música, a fotografia e a educação feminina e obrigava as mulheres a cobrir todo o corpo, inclusive o rosto, e os homens a usar barba. As escolas para meninas foram reabertas, as televisões voltaram a transmitir e algumas mulheres tiraram as pesadas burqas que escondiam seus rostos.
Menos de um ano depois, a euforia daqueles dias está acabando. Os 23 milhões de afegãos lutam para reconstruir suas vidas, soterradas por mais de vinte anos de guerras civis e ocupação. Eletricidade e água corrente ainda são um luxo, há milhões de sem-teto e a mortalidade infantil ainda é uma das mais elevadas do planeta. Só um terço da ajuda internacional prometida para este ano já chegou ao Afeganistão. A ação militar norte-americana no país consome muito mais dinheiro do que o auxílio.
Os afegãos não estão mais dispostos a voltar à guerra civil, mas nem por isso a paz está consolidada. Um dos motivos para isso é a fragilidade política do presidente Hamid Karzai, escolhido numa assembléia multiétnica e com apoio norte-americano. Mas ele é da etnia majoritária, pashtun, e tem atritos com a etnia tadjique, que domina a Aliança do Norte, guerrilha que se valeu do poderio bélico norte-americano para derrubar o Talibã.
Fora de Cabul, o controle pertence a comandantes guerrilheiros regionais, entre os quais às vezes há atritos. Além disso, ainda há centenas de militantes do Talibã e da rede de Bin Laden, a Al-Qaeda, nas montanhas do país ou a poucos quilômetros dele, no vizinho Paquistão, de acordo com os militares norte-americanos.
Erros do passado
Os afegãos temem que os Estados Unidos repitam erros do passado. Em 1989, foi com ajuda norte-americana que os combatentes mujahideen expulsaram as tropas soviéticas. Em seguida, os EUA perderam interesse no país e permitiram que uma sangrenta guerra de facções levasse o Talibã ao poder. Agora, a crescente preocupação de Washington com o regime de Saddam Hussein no Iraque indica que o interesse pelo Afeganistão pode estar diminuindo outra vez.
Autoridades norte-americanas em Cabul frisam que sua prioridade no Afeganistão é militar, ou seja, derrotar a Al-Qaeda. Outros países prometem ajuda ao desenvolvimento afegão para cumprir seus próprios objetivos estratégicos de longo prazo. Seja como for, a presença dos EUA e de outras potências terá um papel importante no futuro do Afeganistão. Mas é preciso cuidado. "Eu aconselharia os governos estrangeiros para que pensem um segundo e percebam que todo país que quis estar no Afeganistão acabou com os dedos bem queimados", disse Francesc Vendrell, representante da União Européia em Cabul.
Reuters