Chegada à Lua foi meta espiritual, diz Gene Kranz

Ligia Hougland
Direto de Washington


Gene Kranz estava no comando da missão Apollo 11, em 20 de julho de 1969, quando Neil Armstrong e Buzz Aldrin deram os primeiros passos na Lua. Em 1970, Kranz foi o homem responsável pelo célebre resgate da tripulação da espaçonave Apollo 13. Foi ele que, depois da tragédia da missão Apollo I, em 1967, que resultou na morte de três astronautas, estabeleceu os termos "Força" e "Confiança" como diretrizes para a NASA. Conhecido como a "personificação da NASA", Gene Kranz ficou famoso por sempre vestir um jaleco branco feito pela sua mulher no centro de comando e por ressaltar a importância do "fator humano" para o sucesso das missões espaciais.  O ator Ed Harris concorreu ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, graças ao seu papel como Gene Kranz no filme Apollo 13, um sucesso de bilheteria em 1995.  O mais famoso diretor de voo da história da NASA deu uma entrevista exclusiva ao Terra. Confira:

Terra – Qual foi a importância para os Estados Unidos do pouso na Lua durante a corrida espacial contra os russos na década de 60?
Kranz - A missão Apollo 11 foi quase que uma meta espiritual. Era uma promessa que tínhamos feito ao presidente Kennedy, que havia sido assassinado, e à tripulação perdida da Apollo 1. Portanto, sentíamos como se isso fosse algo que devíamos ao presidente Kennedy e aos astronautas que foram mortos por causa do incêndio na missão Apollo 1. O objetivo era satisfazer a meta que havia sido estabelecida pelo presidente Kennedy, quando ele disse em um discurso, em 1961, "Decidimos chegar à Lua nesta década". Cumprimos com a tarefa que ele nos apresentou.

Terra – Como foi trabalhar com Neil Armstrong e Buzz Aldrin, dois astronautas com personalidades bem distintas? É verdade que Aldrin queria ser o primeiro a pisar em solo lunar?
Kranz - (Risadas) Já tínhamos trabalhado com o Neil na missão Gemini 8, a primeira missão na qual conseguimos fazer a acoplagem em órbita, e tivemos problemas logo depois disso. Portanto tivemos de retornar com um pouso de emergência no oeste do Oceano Pacífico. Durante este processo, aprendemos a respeitar Neil por causa de seu desempenho completamente espetacular como comandante daquela missão. Buzz Aldrin começou a voar na missão Gemini 12. Ele e Neil nunca tinham voado juntos antes da missão Apollo 11. Buzz Aldrin foi realmente a chave para desenvolver as habilidades para caminhar no espaço, pois tivemos diversas dificuldades com relação à caminhada no espaço durante as missões anteriores, Gemini 9, Gemini 10, Gemini 11. Foram três missões subsequentes nas quais os objetivos não haviam sido satisfeitos. Neil tinha uma personalidade que inspirava autoridade e Buzz era o tipo de pessoa que, quando se deparava com um problema, dizia "podemos solucionar isso". Houve muita especulação sobre Buzz querer ser o primeiro a pisar em solo lunar, mas não sei ao certo, e isso não era importante para mim.

Terra – Qual foi sua primeira reação quando o centro de comando ouviu que a tripulação tinha pousado na Lua?
Kranz – Foi uma batalha para chegar à superfície da Lua. Tivemos problemas com comunicação, problemas com navegação, problemas com computador, pequenos problemas elétricos. Por causa dos problemas com navegação, a tripulação teve de pousar manualmente. Os astronautas tiveram de contornar pedras e crateras, e estávamos com pouco combustível. Quando desligamos o motor, tínhamos menos de 17 segundos de combustível remanescente.

Terra – O problema pareceu muito grave?
Kranz – Eu fiquei realmente muito preocupado. Logo que a tripulação concluiu o pouso não tivemos tempo de celebrar, pois tivemos de conduzir uma série de verificações da espaçonave. Primeiro, depois de dois minutos do pouso, novamente depois de oito minutos e, finalmente, depois de 120 minutos. Portanto só podemos celebrar quase duas horas depois do pouso na Lua.

Terra – O senhor ainda pensa nisso?
Kranz – Certamente. Todas as vezes que vejo a Lua, olho para ela e vejo, com binóculos, cada um dos locais de pouso. Penso em cada uma das missões. Sei onde fica o Mar da Tranquilidade; sei onde pousamos a Apollo 11. Para mim, a Lua é um lugar muito pessoal. Faz-me lembrar de uma época em que nós, americanos, éramos exploradores.

Terra – Por que o senhor acha que os EUA nunca mais retornaram à Lua?
Kranz – Há muitas respostas para esta pergunta. Acredito que o motivo principal é porque perdemos nossas aspirações. Não temos mais interesse em enfrentar os desafios que envolvem explorar. Ficamos com medo de correr riscos. Acredito que, como nação, é muito importante que restauremos o desejo de explorar. O risco é o preço que se paga pelo progresso. Acho que é fundamental que voltemos a ser exploradores para prosseguirmos neste século e manter a força econômica dos EUA.

Terra – O senhor sabe qual é a visão do presidente Barack Obama quanto à exploração espacial?
Kranz – Não sei. Acho que vai ser difícil para o novo administrador da NASA, Charles Bolden,  pois programas serão fechados e, ao mesmo tempo, ele terá de estabelecer um plano para o futuro. Acho que a administração Obama vai enfrentar um grande desafio. Será preciso escolher um caminho que seja interessante para os nossos jovens para que possam inventar novas tecnologias para o futuro.

Terra – E há dinheiro para desenvolver novas tecnologias?
Kranz – Não é uma questão de dinheiro, mas de vontade. A força de vontade é o segredo disso. Se você é um explorador, você tem de querer explorar. Se você quer explorar, vai se empenhar para conseguir as capacidades e as ferramentas necessárias para ser um explorador.

Terra – O senhor foi muito elogiado pelo seu enorme controle emocional durante o acidente da Apollo 13, que colocou em risco a vida dos tripulantes. Qual foi sua reação quando Jim Lovell avisou sobre a gravidade do problema?
Kranz – Quando a tripulação disse "Houston, temos um problema", imediatamente pensei que era apenas mais um problema na parte elétrica, como já tínhamos visto anteriormente. Achei que corrigiríamos o problema e iríamos adiante. Esta reação durou de três a cinco minutos. A seguir, um dos controladores indicou que a tripulação havia comunicado uma explosão bem grande e, então, eu disse que teríamos de ser muito cuidadosos. Cerca de 15 minutos depois da explosão Jim Lovell disse "Houston, estou vendo um tipo de substância de gás aqui e acho que estamos perdendo nosso oxigênio." Neste momento, entendi que tínhamos uma explosão dentro da espaçonave, e que havia causado muito dano. Antes de ser diretor de voo, eu era piloto de avião de combate e estava acostumado a olhar direto nos olhos do tigre, portanto sabia como entrar em "modo de sobrevivência". 

Terra – O senhor é um católico devoto. Alguma vez rezou durante os momentos de crise?
Kranz – Eu sempre rezei. Conheço minhas limitações, tanto como indivíduo quanto como equipe. Foram tomadas diversas decisões durante as missões que, quando mais tarde analisadas, concluo que tive alguma intervenção divina para me colocar no caminho certo, pois eu não tinha absolutamente nenhum dado para me orientar.

Terra – Em algum momento o senhor chegou a pensar que os astronautas da Apollo 13 não sobreviveriam?
Kranz – Não. Quando você lança uma tripulação em uma missão, ela tem de acreditar no diretor de voo, tem de acreditar na equipe. Uso o exemplo de um paciente em uma sala de cirurgia. Quando o cirurgião está abrindo o seu peito, o paciente olha nos olhos do cirurgião e quer ser assegurado de que o cirurgião vai ter sucesso na operação. Este é o relacionamento necessário em uma missão.

Terra – A que se deve o seu tremendo sucesso em sua carreira?
Um instrutor de voo que me ensinou a ser confiante. Um comandante de avião de combate que me ensinou que um líder deve ser direto. Os meus chefes que me ensinaram sobre assumir responsabilidade. Um deles, em particular, me ensinou sobre paixão. Paixão é o elemento que energiza o indivíduo. Uma vez que um indivíduo está energizado, ele pode conseguir qualquer coisa.

Terra – Qual foi a missão mais importante da sua vida?
Kranz – Esta é uma pergunta difícil. Provavelmente foi a Apollo 11, com o primeiro pouso na Lua. A equipe estava fazendo algo que nunca antes havia sido feito. A idade média dos controladores de voo era 26 anos. O desafio que o presidente Kennedy tinha nos apresentado de pousar na Lua até o final da década era enorme, e teríamos somente mais uma oportunidade, caso isso não desse certo naquele mês de julho. O estado de espírito da equipe da Apollo 11 era de que não importa o quão difícil a tarefa fosse, nós éramos as pessoas certas, no momento certo, tínhamos o devido treinamento e iríamos pousar na Lua.

Terra – O senhor alguma vez teve vontade de ir à Lua?
Kranz – Sim. Durante o programa Mercury, eu queria ser astronauta. Mas me dei conta que no centro de comando eu poderia participar de 30 a 40 missões, ao passo que, como astronauta, eu somente participaria de uma ou duas missões.

Terra – O senhor acha que cometeu erros na sua carreira?
Kranz – Sim. Fui, às vezes, muito cauteloso, muito conservador. Deveria ter me empenhado mais para atingir certos objetivos.

Terra – Foi muito difícil voltar a trabalhar depois do acidente na missão Apollo 1, que causou a morte de três astronautas?
Kranz – Não, pois eu já tinha trabalhado em testes de voo; fui engenheiro dos primeiros testes de voo com aviões de caça. Já tinha visto pessoas morrerem. O desafio da missão Apollo 1 para mim era fazer estes jovens que nunca tinham visto pessoas morrerem se empolgarem e resolverem todos os problemas que encontrassem.

Terra – Qual é a sua opinião sobre a possível construção de uma base na Lua?
Kranz – Acho que é um passo essencial. Tem muitos benefícios para os EUA e para toda a humanidade. Uma base na Lua tem de ser praticamente auto-suficiente, tem de reciclar praticamente tudo, sem deixar quase nada de lixo. Acredito que é um elemento chave para a sobrevivência dos humanos. Temos que aprender a melhor usar os recursos que temos.

Terra – O senhor acredita que a nossa espécie vai sobreviver por muito tempo ainda?
Kranz – A humanidade está enfrentando desafios agora, mas vai enfrentar desafios ainda piores. A água é um dos nossos recursos mais valiosos. É ainda mais fundamental que a energia. Acho que uma base na Lua pode nos ensinar a melhor usar nossos recursos.