Assim como Neil Armstrong e Buzz Aldrin marcaram a história da humanidade ao pousarem na Lua em 1969, o astronauta Marcos Pontes, 46 anos, também alcançou o posto de ícone espacial para o Brasil. Em 29 de março de 2006, o paulista de Baurú realizou o primeiro voo espacial da história do País a bordo da nave russa Soyuz TMA-8 em uma viagem batizada pela Agência Espacial Brasileira (AEB) de Missão Centenário. Durante o voo, o astronauta canarinho cumpriu com sucesso todos os oito experimentos científicos estabelecidos pela AEB, além de prestar uma homenagem ao centenário do vôo de Santos Dumont no 14-bis. Em 9 de abril, após dez dias em órbita, oito deles na Estação Espacial Internacional (ISS), Pontes regressou à Terra, pousando no deserto do Cazaquistão e entrando de vez para a história do Brasil. Em entrevista exclusiva ao Terra, Marcos Pontes falou sobre o aniversário da chegada do homem à Lua e o seu futuro como astronauta.
Terra - Em função da falta de incentivos para a pesquisa espacial no Brasil, o País não tem tradição em viagens espaciais. O que pode ser feito para mudar este cenário?
Pontes - O Brasil tem um programa espacial já há bastante tempo, desde 1961, mas realmente nós precisamos de formação de recursos humanos. O presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Ganem, tem trabalhado no sentido de incentivar as pesquisas. Eu, particularmente, tenho dedicado grande parte do meu tempo a este tipo de atividade, tanto como pesquisador-convidado do Instituto de Estudos Avançados da USP quanto como professor-convidado na montagem do curso de Engenharia Aeroespacial que está sendo implementado na mesma instituição junto com a Divisão de Engenharia Aeronáutica. É um passo para o incentivo dos jovens e também para que o programa espacial brasileiro tenha pessoal qualificado futuramente. Logicamente, eu também desejo que o setor privado tenha uma participação maior nos estudos, produzindo tecnologia e produtos derivados para que se possa rodar essa máquina em termos de formação de recursos humanos.
Terra - Como você resolveu se tornar astronauta e o porquê da escolha em um País que investe menos na pesquisa espacial?
Pontes - Na verdade, o meu primeiro sonho era ser piloto, tanto faz se civil ou militar. Eu sonhava em ser piloto na época que eu freqüentava o aeroclube em Baurú. Depois disso, com a carreira de piloto avançando, eu comecei a olhar para cima, um pouco mais rápido, e a profissão de astronauta veio naturalmente. Eu sempre gostei muito da minha profissão como piloto e engenheiro. Porém, a função de astronauta, assumida desde 1998 em nome do Brasil, me supre em termos de satisfação pessoal e profissional.
Terra - Quais as dificuldades do treinamento que os astronautas se submetem? Em algum momento, você pensou em desistir?
Pontes - O treinamento para ser astronauta e participar de uma missão espacial é extremamente longo. Eu sou um dos 32 membros da turma 98 da Nasa de um curso que demora dois anos antes de entrar na etapa de treinamento especializado para missões. Mesmo voando em 2006, depois de oito anos de treinamento, eu fui o segundo a voar entre os 32 colegas da turma. É um treinamento sofrido. Muita gente acha que ele é forte na parte física, como se fosse de futebol, mas não é verdade. O treinamento é muito intenso em termos de conhecimento porque são muitos sistemas a serem conhecidos e os astronautas não podem cometer erros. Além disso, a parte psicológica é muito exigida, sendo necessário o astronauta desenvolver as competências e habilidades para operar em condições de alto risco. E, logicamente, a parte fisiológica (médica) também precisa estar impecável.
Terra – Que outra missão você gostaria de participar?
Pontes - Eu continuo morando em Houston (Estados Unidos) e estou à disposição do programa espacial brasileiro, como um representante da AEB, e de outros programas que quiserem voar ao espaço, como o único astronauta brasileiro. Para falar a verdade, eu sonho muito com uma próxima missão. É verdade que isso não depende somente de mim, assim como na primeira missão também não dependeu. Todos os astronautas dependem da escalação das suas agências espaciais. Eu espero que um dia possa retornar ao espaço em uma segunda missão espacial do nosso País, assim como espero participar da formação de outros astronautas.
Terra - O que você diria para os jovens que, desde crianças, sonham em ser astronautas num país que não tem tradição em pesquisas espaciais?
Pontes - Hoje em dia, as chances de um jovem se tornar astronauta é bem maior do que as chances que eu tinha na juventude. O que eu digo para um jovem que quer ser astronauta é nunca perder a força de vontade e acreditar sempre no seu sonho. Estude bastante, trabalhe muito, persista, proteja o seu sonho e um dia você vai conquistá-lo, seja qual for.
Terra - Qual a importância da chegada do homem à Lua?
Pontes - Teve uma importância científica enorme para a humanidade e para o desenvolvimento tecnológico e científico. É um trabalho enorme para lançar um foguete em direção à Lua. Lançar um foguete em direção à Lua não é fácil. É um trabalho enorme que exige o desenvolvimento dos sistemas que são utilizados. Como disse Neil Armstrong, foi 'um salto gigantesco para a humanidade' e o feito representa a possibilidade de se vencer obstáculos e limites até então duvidosos. Foi uma demonstração clara de poder e de determinação do trabalho em equipe. Nós, como representantes da raça humana na superfície da Terra, muitas vezes ficamos perdidos com as coisas que acontecem por aqui e esquecemos de olhar para o alto, onde estão as explicações sobre a nossa natureza e por quais objetivos fomos feitos.
Terra – Você já teve contato com algum dos astronautas que participaram da missão histórica de 20 de julho de 1969? Se sim, o que foi dito? Você recebeu conselhos?
Pontes - Tive a satisfação de conhecer o Neil Armstrong durante palestras no meu treinamento. Conversei com ele por dois ou três minutos apenas. Mas é sempre uma coisa muito marcante você poder falar com uma pessoa que realizou tal feito para a humanidade. Ele tem força nas palavras. Disse que é possível realizar alguma coisa que você realmente acredita. Eu também pude conhecer o Buzz Aldrin, com quem tive chance de conversar por mais tempo. Como o Armstrong, ele também apresenta o mesmo sentido de determinação e de dizer que qualquer pessoa pode conseguir seus objetivos. Guardadas as proporções, é exatamente o que eu gosto de passar para os estudantes e todas as pessoas durante as palestras e aulas no Brasil. Quando eu chego nos eventos, os adolescentes me olham com uma cara estranha, como se eu fosse um extraterrestre. Mas depois de contar de onde eu vim, que meu pai era servente e que eu comecei a trabalhar com 14 anos para ajudar em casa, você nota uma mudança no olhar das crianças. ‘Se esse cara conseguiu eu também consigo’, elas passam a pensar. Acho que essa é a minha vitória. Foi exatamente a mesma sensação que tive quando conversei com Neil Armstrong e Buzz Aldrin.
Terra - A Nasa tem o objetivo de retornar à Lua com missões tripuladas até 2020. Você participará de alguma dessas missões ou de outras?
Pontes - Eu gostaria muito de participar de uma missão à Lua, junto com a Nasa, representando o Brasil, mas isso não depende somente de mim. O que eu posso fazer é estar à disposição e colocar a minha vida a serviço do meu País. Eu gostaria muito de ser escalado. Se a agência espacial me escalar, vou gostar muito de carregar a bandeira do Brasil em solo lunar.
Terra - A Nasa planeja, além de aterrissar novamente com astronautas na Lua, montar uma base neste satélite. Quais você acredita que são as chances reais disso acontecer?
Pontes - Dentro dos planos do Constelação (programa Constellation, da Nasa) existem três etapas. A primeira, a da Estação Espacial Internacional (ISS), que tem o objetivo de desenvolver os sistemas que serão utilizados nos voos maiores. A segunda etapa é a da Lua, onde existe a necessidade de criar sistemas de transporte capazes de nos levar para lá e formas de manter a vida na superfície do satélite. Já a terceira etapa é a da Marte. Todo o conhecimento obtido nas etapas anteriores permitirá ao homem chegar ao planeta vermelho. Tudo é construído tijolo a tijolo. É um trabalho difícil e que envolve muitos países. Quando a gente chega em um outro planeta, não representamos apenas um país, mas toda a humanidade. Sabendo da capacidade e determinação dos funcionários da Nasa, tenho certeza que isso um dia vai acontecer. Pode ser que não aconteça nas datas previstas, mas um dia ocorrerá.
Terra - Qual a sensação de vestir um traje espacial em ambiente de gravidade zero, como o da Estação Espacial Internacional, em comparação com o normal da Terra?
Pontes - A primeira vez que você veste um traje espacial na gravidade ele parece um tanto incômodo. É pesado, desajustado, apertado em alguns lugares e machuca em outros. Mas enquanto você treina, vai se acostumando com os sistemas e o seu formato. Quando você chega na Estação Espacial, ou mesmo na área pressurizada da nave Soyuz, não é preciso usar o traje completo. A gente fica de calção e camiseta, que é bem mais confortável. A sensação da microgravidade é muito boa após a adaptação do corpo às condições do espaço. Eu diria que é uma sensação de liberdade.
Terra - Você notou alguma diferença no corpo ao respirar o ar artificial durante dez dias de missão? O corpo fica sujeito a quais adversidades?
Pontes - Estar dentro de um ambiente artificial não chega a ser problema em termos de temperatura e composição do ar. Mas existem coisas que afetam muito o funcionamento do organismo, como a microgravidade, que causa perda de densidade óssea, perda de tonicidade muscular e o sistema circulatório precisa se adaptar à nova realidade, provocando arritmias cardíacas. Outro problema é no sistema de equilíbrio: os canais dos ouvidos não funcionam bem, o que ocasiona enjoos. A distribuição de líquidos do corpo também muda, provocando dor de cabeça, coriza, nariz entupido e aumento de pressão intraocular. E há ainda a radiação que também pode nos afetar seriamente. A verdade é que o nosso corpo é bastante frágil e a situação que nos encontramos no espaço é muito agressiva para o organismo. Senti os efeitos quando retornei.
Terra - Na contagem regressiva para o lançamento de uma nave espacial, o que passa pela cabeça do astronauta e qual a sensação de estar preso na poltrona de um veículo que alcança velocidade extrema ? É possível fazer algum comparativo?
Pontes - Os últimos minutos antes do lançamento se tornam um tempo de espera bastante longo. No pouco tempo que resta, passa a vida pela cabeça. Lembramos da família, dos amigos, do País e as razões para estamos ali. Muita gente me pergunta se dá medo? (Pausa) É lógico que dá, ninguém é doido para não sentir medo. Senti algo realmente estranho de um lado, mas por outro, senti algo bom por lembrar que milhares de pessoas estavam torcendo por nós. O astronauta sabe que existem riscos – e riscos graves –, mas determinação e vontade de servir o País vencem qualquer medo. Eu iria naquele foguete mesmo sabendo que ele poderia explodir. Para todas as pessoas, principalmente os jovens, perceberem a importância que existe em você cumprir o que prometeu. É exatamente isso que passou na minha cabeça naquele instante. A aceleração alcançada depois do lançamento ocorre em três estágios, enquanto uma grande vibração balança as estruturas. Alguns procedimentos devem ser feitos nessas condições por cada tripulante durante a subida, todos com precisão e sem margem para erro. É uma sensação e tanto você sair de 0 km/h até chegar aos 20 mil km/h em nove minutos. Isso, realmente, é uma coisa muito impressionante.