O nome é familiar desde as aulas de geografia. O Brasil começa no Oiapoque e vai até o Chuí, ou vice-versa. Todavia, isolada no limite Norte da Amazônia brasileira, a cidade mais setentrional do País e o próprio Estado do Amapá convivem com a dificuldade de acesso e com o descaso dos governos. Sem perspectivas em uma região que cresceu com garimpos hoje escassos – e, como nunca antes, fiscalizados – muitos brasileiros cruzam todos os dias ilegalmente a fronteira fluvial em busca de oportunidades na construção civil do País vizinho e do ouro extraído também de forma clandestina na Guiana Francesa.
Ponte Binacional ligará Brasil à Guiana Francesa. Foto: Fernando Borges/Terra
Ponte estaiada de 378m sobre o rio Oiapoque segue o mesmo estilo da moderna Octávio Frias de Oliveira, de São Paulo. Previsão inicial de inauguração era para 2010
A situação de abandono começa a mudar com obras do Governo Federal em uma ponte para ligar Oiapoque à capital guianense, Caiena, e na pavimentação da BR-156, estrada que ainda tem cerca de 200 km em trechos não asfaltados entre o Oiapoque e a capital. Mas as melhorias demoram. Trilham um caminho enlameado que passa por dificuldades de clima, de solo e por compensações a quem sente que pode ter prejuízos com as mudanças.
Enquanto os índios locais fazem exigências
para liberar o asfaltamento da estrada para a capital, nos trechos de terra que passam por suas reservas, os atuais exploradores da travessia do rio Oiapoque, os chamados catraieiros, deixam claro: se não tiverem suas reivindicações atendidas, a ponte não será inaugurada.
Chamada de “Binacional”, a ponte estaiada de 378m sobre o Rio Oiapoque, que segue o mesmo estilo da moderna Octávio Frias de Oliveira, de São Paulo, teve sua construção iniciada em 2009 numa
parceria inédita com a França. Concluída desde 2011, a previsão atual de entrega da obra, a um custo próximo de R$ 75 milhões – R$ 12,9 milhões a mais que a estimativa inicial – é para o segundo semestre de 2012. A previsão inicial era de que a estrutura fosse concluída e inaugurada até novembro de 2010. Todos os números foram obtidos com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que contratou diretamente a obra.
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O motivo do atraso de mais de 1 ano, segundo o órgão, foi uma “feição geológica desfavorável” próxima à fundação da ponte, o que teria atrasado o ritmo de sua incorporação. Além disso, a inauguração depende que os postos de fronteira com instalações da Receita Federal, Vigilância Sanitária e Polícia Federal do lado brasileiro sejam construídos. No ano de 2010, um informativo do DNIT indicou que as escavações encontraram um achado arqueológico indígena do período pré-colonial.
Segundo o deputado federal Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), integrante de um grupo de trabalho que acompanha o empreendimento e as negociações para mitigar seus impactos ambientais e sociais, o clima equatorial é determinante para o ritmo lento da construção. "Nos meses do chamado inverno, quando chove todos os dias, entre janeiro e junho, não se fazem obras rodoviárias ", disse.
Os problemas vão além das chuvas amazônicas.
As denúncias de corrupção deste ano no DNIT paralisaram obras em todo o País e o Amapá não foi exceção. Com diretores afastados, as decisões colegiadas do órgão foram adiadas e retomadas apenas no segundo semestre. No caso do Amapá, isso ocasionou a demora na revisão dos valores contratados pelo ramal rodoviário da ponte e do asfaltamento da BR-156, que ficaram defasados pelo atraso de ambas as obras. "Houve uma demora de 90 dias para a indicação de uma nova diretoria depois que a antiga foi afastada", disse o parlamentar.
Investimento milionário em ponte pode trazer oportunidades à cidade, mas investimentos públicos são necessários. Vídeo: Fernando Borges/Terra
O projeto de construção da ponte foi assinado em 1997 pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Jacques Chirac. Em 2008, o então presidente Lula classificou de "absurdo" e “vergonha” a obra não ter sido inaugurada e prometeu entregá-la em 2010
De acordo com Bala Rocha, falta também que os governos dos dois países acertem os acordos de intercâmbio comercial e de trânsito de pessoas. A Guiana é o único território francês onde cidadãos brasileiros não são recebidos a menos que tenham um visto de turismo. Caso sejam pegos no país sem o visto, são presos e deportados. Segundo a Embaixada da França, uma exceção é feita para quem comprovar residência no Oiapoque e for apenas até a vizinha Saint Georges. "Se inaugurar a ponte agora, será apenas como uma obra de arte", declarou Bala Rocha.
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O acordo mais bem encaminhado entre os dois países é o que toca o policiamento. Segundo o superintendente da Polícia Federal do Amapá, Roberto Maia, está em funcionamento um centro de cooperação das polícias com a presença de um oficial brasileiro em território francês e um francês do lado nacional. A cooperação, de acordo com ele, foi responsável pela captura de um homem que matou uma pessoa do lado brasileiro e fugiu para o lado francês em julho deste ano, sendo localizado lá após troca de informações entre as polícias. "Antes precisaria passar pelo Ministério das Relações Exteriores, hoje o canal é direto. Os crimes começam em um País e terminam no outro, de forma que a informação rápida é nosso melhor instrumento", disse.
O projeto da ponte existe desde 1997, quando os então presidentes brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, e francês, Jacques Chirac, decidiram pela construção com verbas de ambos os países. Em 2008, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, classificou de "absurdo" a ponte não ter sido até então inaugurada. "Os presidentes Fernando Henrique e Jacques Chirac fizeram uma grande festa para anunciar a construção, mas vão se passar dois mandatos e essa ponte não foi inaugurada. É uma vergonha", disse Lula, que se comprometeu, durante a visita do francês Nicolas Sarkozy, a inaugurar a ponte até o final de 2010.
Vendo na inauguração da ponte uma oportunidade para revitalizar o turismo do município que governa, o prefeito do Oiapoque, Raimundo Agnaldo Rocha (PP), faz uma comparação entre o ciclo do ouro, que segundo ele desenvolveu desordenadamente a cidade, e o novo ciclo que espera ver com a atração de turistas franceses para a cidade onde "começa o Brasil". “O turismo é o maior garimpo que nós podemos ter e é um garimpo que não vai se extinguir nunca.”
No mapa: a cidade de Oiapoque, AP. Mapa: Google
A Guiana não produz nada, depende até do papel higiênico que vem da FrançaPaulo José Ramos, deputado estadual (PTC)
A expectativa é de que a ligação direta com o país vizinho, quando concluída, mostre-se um estímulo para a combalida economia amapaense - o Estado é o segundo menor Produto Interno Bruto do País. Produtos guianenses poderiam ser levados de caminhão até o porto de Santana. O deputado estadual Paulo José Ramos (PTC) afirma que a instalação de indústrias no território amapaense encontraria demanda no vizinho e poderia resolver o problema da falta de oportunidade no lado brasileiro, que ocasiona a imigração ilegal para o lado francês. "A Guiana não produz nada, depende até do papel higiênico que vem da França", declarou.