Um paciente infectado pela segunda vez com o HIV poderia oferecer sinais de alerta a pesquisadores que esperam que um tipo específico de resposta imunológica seja o segredo para o sucesso da vacina contra a AIDS.As conclusões também servem para lembrar aos pacientes que praticar sexo seguro é fundamental, mesmo que o parceiro também esteja infectado pelo HIV, informou Bruce D. Walker, diretor da Divisão para AIDS do Massachusetts General Hospital e Harvard Medical School, em Boston, nos EUA.
"O caso reforça essa recomendação", disse o especialista à Reuters Health. "Isso é particularmente válido à medida que surgem mais cepas de HIV resistentes aos medicamentos nos Estados Unidos."
Segundo artigo publicado na edição de quarta-feira da revista Nature, o paciente infectado conseguiu construir uma resposta imunológica forte contra o vírus após receber a terapia anti-retroviral em uma experiência que previa períodos de interrupção no uso de medicamentos, logo após a infecção pelo HIV.
O paciente foi infectado por uma forma bastante próxima do vírus que já portava, após uma relação sexual sem proteção, informaram os pesquisadores. Essa "superinfecção" foi uma surpresa para os cientistas, que esperavam que uma resposta imunológica intensa a uma cepa do vírus pudesse proteger contra outras relacionadas.
A pesquisa poderia apontar problemas para os cientistas que tentam desenvolver uma vacina, pois uma resposta imunológica a uma cepa do vírus poderia não oferecer proteção contra as outras, disse Walker. O paciente estudado foi tratado com um protocolo científico desenvolvido para ajudar o sistema imunológico a desenvolver defesas contra o vírus.
Nessa terapia com períodos de interrupção, os pacientes recentemente infectados são tratados com anti-retrovirais até que o vírus seja reduzido a níveis insignificantes. Nesse momento, a medicação é suspensa, e o paciente é observado, na esperança de que o sistema de defesa aprenda a combater a doença sozinho.
Quando e caso o vírus dê sinais de retorno, o paciente recebe drogas novamente. Quando as taxas de HIV são reduzidas, a medicação é interrompida novamente.
A idéia básica é que a terapia medicamentosa proteja as células CD4, responsáveis pelo combate à infecção e alvos de destruição pelo HIV, enquanto o corpo compreenda como combater o vírus com um segundo tipo de células, chamadas de CD8. As células CD4 seriam os "generais" do exército do sistema imunológico, enquanto as células CD8 seriam a "infantaria", explicou Walker.
"Nos estágios mais avançados da infecção pelo HIV, o organismo tenta montar uma resposta imunológica", disse Walker. "Com esse objetivo, o sistema de defesa tenta mobilizar vários generais e soldados da infantaria contra o HIV. O problema é que o vírus mata seletivamente os generais à medida que são mobilizados. Por isso, geralmente ficamos com a infantaria (CD8), que não sabe o que fazer."
Um estudo anterior, realizado pela equipe de Walker, demonstrou que, ao tratar um paciente na primeira infecção por HIV, os médicos protegeriam os "generais" do sistema de defesa, as células CD4. Em um estudo feito em 2000, os pesquisadores demonstraram que a terapia com regime de intervalos permitia que o sistema de defesa do paciente mantivesse o vírus sob controle.
"O tratamento foi interrompido, pois pensávamos que poderia não haver desenvolvimento suficiente da imunidade", disse Walker. "Se déssemos uma espécie de dose de reforço na forma de exposição ao próprio vírus, poderíamos ter uma resposta imunológica melhor. Seria uma espécie de auto-vacinação."
No novo estudo, a equipe observou que o paciente parecia manter o vírus sob controle durante a terapia em regime de intervalo e demonstrava uma intensa resposta de CD8 ao HIV. Entretanto o voluntário começou a ficar doente novamente. Quando a equipe avaliou a presença de partículas do vírus no sangue, descobriu que o paciente estava infectado por outra cepa muito próxima do tipo de HIV comum na América do Norte.
Quando avaliaram os registros médicos, descobriram que ele fazia sexo sem proteção e apresentava sinais de uma nova infecção pelo vírus - febre, suores noturnos e nódulos linfáticos inchados - um mês antes da identificação pela nova versão do HIV.
Os pesquisadores Andrew J. McMichael e Sarah L. Rowland-Jones, do John Radcliffe Hospital, em Oxford (Reino Unido) concordaram, em editorial, com a conclusão de Walker de que o estudo enfatiza a importância do sexo seguro.
"Os resultados sugerem que a superinfecção por uma segunda cepa de HIV durante o período de intervalo da terapia poderia prejudicar significativamente o controle viral, por isso, o compromisso do paciente com práticas de sexo seguro será uma auxiliar importante na terapia com intervalos", observaram os autores. "Não ficou claro se a superinfecção é apenas um risco durante a interrupção do tratamento."
Os pesquisadores britânicos sugeriram que devem ser feitos mais estudos para determinar se há risco para os pacientes durante o uso da terapia anti-retroviral.
McMichael e Rowland-Jones concluíram, "mesmo provocando uma breve pausa para reconsiderações, nada desse estudo retarda ou prejudica os esforços empregados no desenvolvimento de uma vacina contra o HIV". É possível que uma vacina capaz de estimular as células CD8, dada a pessoas saudáveis, proteja contra o vírus, avaliaram os autores.