Os pacientes afetados pelo câncer poderiam ser "vacinados" contra os próprios tumores por um tratamento combinando o uso de medicamentos e de radioterapia, informaram pesquisadores.Em experimentos com camundongos, a equipe da pesquisadora Silvia Formenti, chefe do departamento de radiação oncológica da Universidade de Nova York, verificou que a combinação do uso do medicamento bortezomib e de radiação estimulou o sistema imunológico a reduzir o tumor principal e atacar os secundários não atingidos diretamente pelo tratamento.
O bortezomib, conhecido como PS-341, é um inibidor de proteassoma desenvolvido pela empresa Millennium Pharmaceuticals sob o nome comercial de Velcade. A FDA (Food and Drug Administration, agência norte-americana para controle de drogas e alimentos) concedeu o regime de fast track (análise em curto espaço de tempo) à droga para o tratamento de mieloma múltiplo, um tipo de disfunção na resposta imunológica.
"A combinação de radiação ionizante e PS-341 pode estimular mecanismos capazes de controlar o crescimento de um tumor. Essas conclusões são extremamente importantes e sugerem que a terapia poderia ser usada no tratamento de pacientes com câncer e, ao mesmo tempo, vaciná-los contra o próprio tumor", disse o pesquisador durante conferência EORTC-NCI-AACR (evento que reúne a entidade européia European Organisation for Research and Treatment of Cancer e as norte-americanas National Cancer Institute e American Association for Cancer Research).
O câncer pode se desenvolver sem sofrer rejeição pelo corpo por induzir, de alguma forma, uma espécie de "tolerância" por parte do organismo e passar despercebido pelo sistema imunológico, explicou Formenti.
"A grande questão é: que tipo de manipulação fazer para superar essa tolerância?"
A cientista Sandra Demaria, participante da pesquisa, levanta a hipótese de que a morte de células tumorais, induzida pela combinação de quimio e radioterapia "tem algum ingrediente especial que estimula uma resposta imunológica", disse Formenti.
Outras pesquisas sugeriram que, para promover uma resposta imunológica nos tumores, pode ser necessário ativar as células dendríticas, responsáveis por alertar o sistema para a presença de material indesejado ao apresentar pequenas porções de células tumorais (antígenos) em sua superfície.
"A hipótese é que a quimio e a radioterapia induzam uma morte celular intensa e súbita e, em vez desses antígenos liberados serem ignorados, terão mais chances de ser capturados pelas células dendríticas."
Os pesquisadores injetaram células de câncer de mama sob a pele de camundongos em dois locais -- 100 mil células para criar um tumor "primário" e 50 mil em outro local, para formar um tumor "secundário". Os pesquisadores usaram bortezomib, pois a droga provoca a liberação de proteínas do estresse capazes de estimular a imunidade, explicou Formenti.
"Quando combinamos PS-341 e radiação, há um efeito aditivo. Por isso consegue-se intensificar a redução do crescimento em tumores irradiados. O fato interessante e instigante é que superam o efeito do PS-341 isolado", informaram os pesquisadores.
"O segundo tumor não recebeu radiação, mas comportou-se como se tivesse sido exposto a ela."
Os resultados do estudo levaram a equipe a iniciar um teste clínico em mulheres com câncer de mama em estágio avançado.
A equipe pediu que as voluntárias participassem da pesquisa no momento em que atingiram um certo patamar de resposta à quimioterapia normal. Os pesquisadores usaram a radioterapia em um tumor secundário e, ao mesmo tempo, estimularam o número de células dendríticas administrando a droga GM-CSF (Fator Estimulador de Colônias de Granulócitos e Macrófagos, tipos de células de defesa) às mulheres.
No momento, "é uma grande aposta", disse Formenti. "Se esse sonho se tornar realidade, terá grandes consequências."
"Em vez de tentar curar pacientes afetados pelo câncer matando todas as células tumorais, estamos tentando eliminar algumas dessas células e estimular a imunidade do paciente para que recolha esses antígenos e se autovacine contra o tumor."