Os filhos de mulheres que consumiram muita cocaína durante a gravidez parecem não apresentar atrasos de desenvolvimento nas fases iniciais da vida, diferentemente do que previam muitos especialistas, demonstrou um novo estudo.Durante a epidemia de uso de cocaína nos Estados Unidos, no final da década de 80 e no início dos anos 90, muitos médicos acreditavam que as crianças expostas à cocaína ainda no útero materno, os chamados "bebês do crack", poderiam ter prejuízos duradouros no desenvolvimento.
A idéia de que essas crianças já estariam "condenadas ao nascer" não corresponde aos resultados do estudo atual, que avaliou crianças com até 2 anos, nem ao de pesquisas anteriores, afirmou Deborah A. Frank, da Escola de Medicina da Universidade Boston, em Massachusetts, à Reuters Health.
"Esse estereótipo causa -- se não mais -- no mínimo tantos danos para as crianças quanto o impacto fisiológico real da exposição pré-natal à droga", acrescentou Frank. "As expectativas negativas em relação a essas crianças são, em si, muito prejudiciais."
A equipe da pesquisadora avaliou 203 pares de mães e filhos, incluindo usuárias pesadas (que consumiram cocaína por mais de 62 dias durante a gestação); usuárias leves, não-usuárias e bebês que nasceram após o término da gravidez. Os pesquisadores testaram o desenvolvimento psicomotor e mental dos bebês aos 6, 12 e 24 meses de idade. A função psicomotora envolve a execução de atividades físicas associadas ao processo mental como, por exemplo, aprender a pegar um objeto, a engatinhar ou a andar.
Em geral, os bebês expostos a níveis elevados de cocaína não corriam um risco maior de apresentar problemas de desenvolvimento psicomotor e mental, informaram os pesquisadores na edição de dezembro da revista Pediatrics. As crianças, porém, obtiveram pontuação um pouco mais baixa nos testes quando haviam apresentado baixo peso ao nascer, indicou o artigo.
Com frequência, os bebês que nascem com peso abaixo do normal -- independente de terem sido expostos à cocaína -- não apresentam resultados tão bons em testes de habilidade mental quanto os que nascem com o peso normal. O estudo mostrou, no entanto, que o grupo que além de nascer com peso menor fora exposto a níveis elevados da droga conseguiu pontuação menor nos testes mentais e psicomotores.
A causa disso pode estar ligada a fatores sociais, como o ambiente familiar do bebê, sugeriu o estudo.
Os autores do trabalho observaram ainda que os bebês expostos a níveis elevados de cocaína foram mais propensos a serem retirados da custódia da mãe e entregues a pais adotivos. As crianças que permaneceram sob a guarda de outros membros da família, porém, apresentaram mais problemas de desenvolvimento em idade mais avançada que os bebês sob os cuidados da mãe biológica.
Os parentes nem sempre são avaliados e monitorados de forma apropriada -- como é feito com pais adotivos e mães biológicas com história de uso de drogas -- e podem não ter o apoio nem os recursos necessários para oferecer o melhor tratamento para esses bebês, explicou Frank.
Os pesquisadores verificaram ainda que, à medida que cresceram, todos os bebês apresentaram resultados piores nos testes de desenvolvimento. "Essa é a má notícia", disse Frank. "A pobreza corrói o desenvolvimento infantil."
"As intervenções precoces, no entanto, ajudaram a reduzir a magnitude do prejuízo para todos os bebês", acrescentou a pesquisadora.
A realização de terapia da fala e de fisioterapia precoce -- além de outras intervenções -- pareceu proteger os bebês expostos à cocaína dos problemas de desenvolvimento mental e psicomotor, indicou o estudo.
Na realidade, as crianças expostas a grandes quantidades da droga e que receberam intervenções precoces apresentaram resultados melhores no desenvolvimento, em comparação com os grupos menos expostos ou não-expostos. Uma possível explicação para o fato é que os bebês expostos à cocaína são mais propensos a obter ajuda mais cedo que os outros grupos, ainda antes do primeiro ano de vida, comentaram os pesquisadores.
Em geral, o desenvolvimento de bebês expostos "depende muito do que ocorre após o nascimento", disse Frank ao lembrar a importância das intervenções e dos cuidados apropriados.
Os bebês expostos à cocaína podem se beneficiar dos mesmos tipos de programas indicados para crianças pobres com risco de apresentar problemas de desenvolvimento, disse Frank. "As pessoas não precisam ter receio de inscrever as crianças nesses mesmos programas." Os bebês expostos à cocaína "não precisam de nada extraordinário", acrescentou a pesquisadora.
Com a finalidade de garantir que as crianças expostas à droga e que estão sob a guarda de um parente recebam os mesmos tipos de cuidado que os outros bebês, os pediatras deveriam "defender medidas que reduzam as atribuições dos responsáveis pela crianças, aumentem os recursos e reforcem a supervisão, oferecendo atendimento semelhante ao dedicado aos pais adotivos não-aparentados", observaram os autores do estudo.
"É preciso oferecer apoio tanto às crianças quanto aos responsáveis", disse Frank.
O Instituto Nacional de Abuso de Drogas e o Centro Nacional de Recursos de Pesquisa financiaram o estudo.