BBC Brasil: O senhor acha que o nascimento do Rodrigo afetou o seu trabalho também?Salgado: Acho que muita coisa que faço hoje, próxima do social, de tanta organização humanitária, necessariamente foi o Rodrigo quem me trouxe. Ele me deu uma outra compreensão da vida, outra maneira de eu ver a humanidade, de me situar, de ver outras anomalias. A gente teve o direito a freqüentar um outro universo que se eu tivesse ficado no mundo dos "normais" eu não teria conhecido. Foi muito rico para mim.
BBC Brasil: E como é hoje a sua relação com o Rodrigo?
Salgado: O Rodrigo é um homem de 23 anos que vive num mundo de silêncio. Às vezes a Lélia viaja e eu passo o fim de semana com o Rodrigo e é um momento de relativamente pouca comunicação mas é um mundo de um amor muito profundo.
Na realidade, hoje eu tenho a impressão que a gente teve uma sorte imensa de ter tido um anjo que chegou na nossa casa.
Engraçado que esta combinação de genes leva a uma doçura imensa do ser humano, atingida por esta combinação no par 21, de ter não um par de cromossomos mas três.
Eu viajo muito por conta do meu trabalho e toda vez que encontro uma pessoa que nasceu com a síndrome de Down, em qulaquer lugar do mundo, eu paro pois tenho certeza que ele vai me receber.
Me lembro que estava trabalhando num campo de palestinos no Líbano controlado pelo Hamas. Era um ambiente muito duro e mesmo com autorização da Organização para Libertação da Palestina, era difícil fotografar pois havia várias instituições envolvidas e toda vez que eu apontava a minha câmera, no mínimo, tinha um fuzil Kalashnikov apontado na minha direção. E aí eu tinha que passar horas explicando o que estava fazendo. Horas de discussão para vinte minutos de fotos.
Me lembro que, uma vez, vi uma pessoa passando e tirei um foto dela. A pessoa olhou para mim e pensei que ia ter problema. Ele veio andando na minha direção e aí vi que ele tinha síndrome de Down. Ele me abraçou e me deu um beijo imenso. (Nesta hora, Sebastião Salgado se emociona com a lembrança e derrama uma lágrima).
BBC Brasil: O senhor já pensou em fazer um trabalho sobre a síndrome de Down?
Salgado: Não, nunca pensei. Tenho vontade de publicar um livro sobre a nossa vida com o Rodrigo. Ele já viajou o mundo inteiro, já foi à China... Ele sempre foi parte integrante da nossa vida.
Leia mais:
» Introdução
» O nascimento do filho
» Adaptação ao filho
» Rodrigo e o trabalho de Salgado
» O cotidiano de Rodrigo