Não há como falar na crescente integração das pessoas que têm síndrome de Down na sociedade sem dar crédito a pais e mães que, através dos anos, batalharam pelo reconhecimento dos direitos de seus filhos. A associação de pais mais conhecida, no Brasil, é a Apae, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Atualmente, existem mais de 2 mil Apaes espalhadas pelo Brasil e que atendem a 280 mil pessoas que têm algum tipo de deficiência mental. Mas, segundo Arlindo Varela, presidente da primeira Apae do Brasil, que fica no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, isto ainda é muito pouco.
Objetivos
"Cada município brasileiro tem que ter uma Apae, segundo o estatuto da instituição. O Brasil tem mais de 5 mil municípios portanto não chegamos nem na metade, há muitas áreas do país que não estão cobertas. Apesar de sermos a maior instituição desta área no Brasil", explica Arlindo Varela.
Mesmo o número de pessoas atendidas ainda está longe de satisfazer os objetivos da Apae. "Segundo o que a Organização Mundial da Saúde estabelece, a gente teria 10% da população com deficiência, sendo que 50% desses teria alguma deficiência mental. Se a gente considera que o Brasil tem pelo menos 170 milhões de pessoas, seriam mais de 8 milhões de pessoas com deficiência mental. Se nós atendemos 280 mil, realmente temos muita coisa para fazer pela frente", diz o presidente da Apae-Rio.
Agravando a dificuldade de precisar o número de pessoas que têm síndrome de Down no país, Arlindo Varela apresenta o seguinte raciocínio para arriscar uma estimativa desta população.
Milhões
"Trinta por cento dos nossos alunos têm síndrome de Down. Se isso é regra geral, seriam duas milhões de pessoas com Down no Brasil", calcula Varela. A Apae foi criada em dezembro de 1954 e, em sua ata de fundação, foi feita uma qualificação da palavra 'excepcional' e que seriam todas as pessoas que estão acima ou abaixo da chamada normalidade.
O termo 'excepcional' é utilizado hoje em dia, explica Varela, para "identificar todos os que têm alguma dificuldade no aprendizado. Apesar de, às vezes, usarmos outra terminologia, como portadores de necessidades especiais".
Às vésperas de completar 50 anos, a Apae é um dos centros ambulatoriais de referência no país, realizando o importantíssimo Teste do Pezinho.
Hipotireoidismo
A análise da amostragem de sangue, tirado do pé do recém-nascido, pode revelar a presença de uma série de doenças, muitas vezes assintomáticas e que, se descobertas logo, podem ser prevenidas ou monitoradas.
Entre elas, está o hipotireoidismo e que provoca o retardo mental em pessoas que têm ou não a síndrome de Down. Nos três centros de atendimento da Apae-Rio cerca de 330 crianças com Down estão matriculadas, como alunas da escola especial ou freqüentando o centro de estimulação global.
Arlindo Varela preside a Apae há dois anos e se aproximou da instituição através de um amigo que trabalha na Associação e que tem um filho com Down.
Paixão
"A gente se apaixona por isto aqui. Acho um lugar fantástico. Aprendo muito e procuro fazer o que se deve fazer pelo excepcional que é sua promoção social", diz Varela que, até então, tinha tido pouco contato com pessoas que tinham nascido com a trissomia 21 (termo médico usado para descrever a síndrome de Down).
"Para ser muito franco com você, nenhum. Mesmo o encontro com o filho do meu amigo, é muito esporádico". "Tem outro fator aí. Minha área de atuação na vida privada é a informática. No meu início na Apae, eu comecei a implementar o desenvolvimento da informática e percebia o interesse dos alunos na informática. É extremamente gratificante ver um aluno que, às vezes, não consegue escrever o próprio nome com lápis mas consegue digitar", lembra Arlindo Varela.
Inclusão em alto-mar
Para o presidente da Apae-Rio, um dos maiores problemas que a instituição enfrenta é o preconceito que, apesar de ter diminuído, ainda é muito grande. "Um dos nossos maiores problemas é conscientizar as pessoas da importância do excepcional, da capacidade que ele tem e que pode surpreender muito", diz Varela.
Agora, a Apae do Rio está na contagem regressiva de um grande e inédito projeto. O projeto Sabiá vai reunir 36 jovens, 18 alunos com deficiências mentais e 18 estudantes universitários, para navegar num veleiro-escola durante 14 meses, a partir de outubro, fazendo um percurso que sai de Portugal e chega no Brasil.
A idéia é criar uma expedição científica para uma experiência pedagógica e para desenvolver um sentido de cidadania onde um grupo de pessoas vai ter a chance de experimentar uma nova vivência onde todos dependem de todos.
"Esperamos contar com empresas que desejem promover projetos sociais assim como se promover no Brasil e no cenário internacional, divulgando suas marcas", explica o presidente da Apae-Rio, Arlindo Varela.
A bordo, todo o equipamento necessário para uma rotina em alto-mar além de biblioteca e computadores e que vão possibilitar a criação de uma minisociedade.