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AMOR ALÉM DA VIDA RAPIDINHO Há duas alternativas para falar desse filme: levá-lo a sério, tratando-o como uma história de vida após a morte; ou considerá-lo uma fantasia das mais tresloucadas, um exercício de pintura pós-expressionista (acabo de cunhar o termo, sendo o "pós" referente ao que vem depois da morte do pintor, e não do pobre expressionismo). Na primeira alternativa, fica a impressão de que a história já nasceu morta, tamanha a sua falta de sentido. Na segunda, restam alguns momentos de contemplação dos belos cenários, ao que parece retirados de obras de artistas muito mais inspirados que o diretor Vincent Ward. E, apesar de mortos, muito mais vivos. AGORA COM MAIS CALMA Robin Williams é um médico casado com uma mulher bela, inteligente e culta. Sua alma gêmea! Que cara sortudo! Como é que não consegue papéis melhores em Hollywood? O casal tem dois filhos, também belos e saudáveis. Aí já é demais. Para que aconteça a tal história de amor depois da morte, tá na hora de promover uma sessão de desgraceiras: os filhos morrem num desastre de carro; a mulher enlouquece e tenta o suicídio, mas é salva pelas belas palavras do marido; que, por sua vez, não escapa de outro desastre de carro (acho que a repetição faz parte de alguma campanha americana contra os acidentes de trânsito); então a mulher, definitivamente sozinha, suicida-se. Calma! Não contei o filme todo. Ele está apenas começando. A partir daí, a desgraceira é toda do infeliz espectador que entrou no cinema. No céu, Robin Williams encontra várias almas, de diferentes cores, nacionalidades e estilos, mas todas muito chatas. Parecem não ter nada o que fazer, além de ficar subindo e descendo para movimentar o cenário, e assim ficam jogando conversa fora com o recém-chegado. Enquanto isso, o celeste setor de computação gráfica trabalha a mil para que o espectador fique embasbacado com o visual e não perceba a babaquice da história. O que prova que Bill Gates, quando morrer (SE ele morrer) encontrará uma turma bem entusiasmada para tentar fazer o Windows Definitivo. Que o Altíssimo tenha piedade das almas que hospeda. O filme tem uma boa piada (é claro que não intencional). Alguém pergunta, depois de dar uma boa olhada no ambiente pictórico-celestial: "E Deus? Como ele se encaixa aqui?" E outro alguém responde mais ou menos assim: "Ele fica cantando o tempo todo que nos ama". Do que compreendo que, segundo o filme "Amor além da vida", Deus é como um cantor de churrascaria, daqueles que se acompanham num órgão de última geração, num canto perto do banheiro, e que, quando terminam um número, ouvem da mesa mais próxima: "Me traz uma picanha mal passada, por favor." Quando Robin Williams chega ao Inferno, acompanhado de Max Von Sydow (que deve estar meio mal de grana ou de entendimento, para participar dessa mixórdia), o filme até tem alguns momentos de suspense (não intencionais, é claro). Ficamos loucos para ver os terríveis sofrimentos das almas pecadoras e suicidas, que, se forem realmente antípodas aos prazeres dos virtuosos no céu, vão fazer as cadeiras do cinema derreter. Mas que nada! É tudo muito "clean". O diretor não sabe o que é uma fila do SUS, nem conhece as atrações principais do Ratinho e do Leão. De modo que a suicida continua em sua casa, levemente detonada, mas com o ar-condicionado em perfeitas condições. Ela nem mesmo sua! "Amor além da vida" é um desastre do início ao fim. É um desastre cinematográfico, por todos os motivos acima descritos. É um desastre teológico, com sua mirabolante teoria da "lógica" celeste, que mistura o paraíso dos contos de fada ("Ele será tudo o que você desejar...") com um intragável papo reencarnacionista. E é um desastre estético, porque aquele monte de pinturas animadas, depois de dez minutos de degustação, parece um gigantesco calendário maluco das Edições Paulinas. Amor Além da Vida (EUA, 1998). De Vincent Ward. Com Robin Williams, Annabella Sciorra, Cuba Gooding Jr. e outros. Dê sua opinião ou cale-se para sempre
Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e "Fausto") e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".
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