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A VIDA SONHADA DOS ANJOS
RAPIDINHO
O filme começa e parece que vai ser bom: câmara nervosa, excelentes
atrizes, realismo total. A gente sabe que A vida sonhada dos anjos abafou em Cannes, ganhou vários Cesars e tem recebido elogios pelo mundo
afora. E fica esperando, ansioso, o que vai surgir da amizade daquelas
duas mulheres desesperançadas. Passa o tempo, e não surge nada. Eu
cheguei a lembrar dos filmes de Eric Rohmer (de quem sou fã), em que o
cotidiano de pessoas simples é dissecado com muita poesia nos diálogos e
um tratamento cinematográfico minimalista. Mas, em "A vida sonhada dos
anjos", a mão do diretor pesa demais, e o roteiro é cheio de
lugares-comuns. Depois de quase duas horas de papo furado, fiquei com a
nítida sensação de que Erick Zonca enganou todo mundo, construindo uma
obra piegas e que, daqui a alguns anos, ninguém mais vai lembrar.
AGORA COM MAIS CALMA
Isa (Élodie Bouchez) não tem trabalho, não tem dinheiro, nem onde morar.
Chega numa pequena cidade da França à procura de um amigo, que viajou.
Marie (Natacha Régnier) tem um trabalho (ruim), um pouco de dinheiro e
um lugar (emprestado) para morar. Isa e Marie ficam amigas e passam a
viver juntas. O filme acompanha o cotidiano das duas, tentando fazer uma
crônica de seus desejos e de seus temores. E aí a maionese desanda. Em
Romance, também francês e também centrado no universo feminino, o
cotidiano ganha uma transcendência que pode até ser contestada, mas
serve para que a história decole. Em "A vida sonhada dos anjos", ficamos
atolados naquelas vidinhas chatas e insossas, sem qualquer possibilidade
de revolta, contestação ou superação.
O mestre Kurt Vonnegut perguntaria: cadê o conflito? Ele também
recomenda que os personagens desejem alguma coisa, nem que seja tomar um
copo d´água. Isa e Marie estão tão entediadas que não parecem dispostas
a abrir a porta da geladeira. Muito trabalho... Tudo bem, o filme
poderia ser sobre isso, sobre a falta de perspectivas da vida moderna,
mas, então, que fosse fundo no tema, que apresentasse novos ângulos para
a questão.
As cenas em que Isa vai ao hospital "falar" com a menina em coma são de
um primarismo dramático constrangedor. Quem já não viu a mesma coisa em
"n" novelas da Globo? "Personagem desesperançado reencontra um sentido
para a vida ao deparar-se com o drama de uma criança em estado
terminal". É dose. A solução para o drama de Marie, desprezada pelo
namorado idiota, também é boba, no máximo aceitável.
Enfim, "A vida
sonhada dos anjos" promete mais do que cumpre. É um filme bem realizado,
com atrizes fantásticas, mas com um roteiro previsível e pouco
inspirado. A vida dos anjos - a real, não a sonhada - deve ser bem mais
interessante.
A Vida Sonhada dos Anjos (La Vie Rêvée des Anges, 1998). De Erick Zonca.
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A
gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente
finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
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