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UM PLANO SIMPLES
RAPIDINHO
Poderia ser um grande filme, um clássico, mas não é. Os ingredientes estão todos ali: um tema manjado, mas narrado com originalidade; excelentes atores; direção competente e criativa. E, sem dúvida, Um plano simples vale o preço do ingresso. Contudo, quando o final se aproxima, já dá pra ver que a maionese não ficou perfeita. Não desanda, tudo bem, mas chega perto. A culpa não é do diretor, e sim do roteirista, Scott B. Smith, indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado, que trabalhou sozinho a partir de seu próprio romance. Ele, aparentemente (não li o livro), cometeu um equívoco clássico: tentou colocar no filme tudo o que estava no livro, e, na síntese inevitável, sacrificou a credibilidade de alguns personagens e perdeu a crueza necessária para contar a história sem cair no lugar comum.
AGORA COM MAIS CALMA
O ator Billy Bob Thornton e seu personagem que beira a idiotia são, aparentemente, os grandes trunfos de "Um plano simples". Na fronteira entre o desajuste social e a doença mental, sua visão de mundo, ingênua e honesta, se choca com a de seu irmão, vivido por Bill Paxton, um cara pragmático, "certinho", mas sem escrúpulos. Mas nenhum dos dois é bandido, e a idéia básica do filme é mostrar como pessoas normais podem ser muito más, dependendo das circunstâncias. A idéia não é nova, mas funciona muito bem no início do filme.
Claro que, desde o momento em que o trio encontra quatro milhões de dólares num avião acidentado, o espectador tem certeza que tudo vai dar errado, que eles vão brigar entre si, que a polícia vai investigar, que o dono do dinheiro vai chegar, etc. O problema é que, além da falta de surpresas, a partir de um certo momento os personagens começam a mostrar sua fragilidade. O único que se mantém absolutamente íntegro até o final é o bêbado, que não passa de um bêbado clássico, mas muito verossímil.
O certinho e sua esposa (mais uma bela interpretação de Bridget Fonda, que já está à altura do resto da família), depois de um momento de hesitação ética, viram uma dupla de bandidos, fazendo planos e mais planos para controlar a situação. Essa virada é rápida demais. O filme seria muito mais interessante se discutisse mais profundamente a visão de mundo desse típico casal americano, em vez de investir nos aspectos policialescos da trama.
"Fargo", dos irmãos Cohen, que costuma ser comparado a "Um plano simples", é muito mais interessante, justamente porque não se entrega nunca às convenções do gênero.
Mas é o personagem de Billy Bob Thorton que, ao fragilizar-se, mais prejudica o filme. A razão é muito simples: o roteirista decidiu dar aos dois irmãos um passado familiar cheio de angústias e ressentimentos. Esse passado, no romance, talvez funcione, porque há tempo (no caso, páginas) para explicar tudo direitinho. Mas, no filme, é um amontoado de lugares-comuns.
O pai de ambos, fazendeiro incompetente, tomou empréstimos demais e faliu, perdendo a propriedade para os bancos. Apesar das dificuldades, custeou os estudos de um dos filhos (o mais "normal", é claro). E agora o mais burrinho não tem diploma nem fazenda. Pior: feio e tímido, confessa ao irmão que nunca beijou uma garota. Só lhe resta beber e vagabundear.
Isso tudo, em "Um plano simples" é contado em diálogos, na segunda metade da trama, apenas para justificar o final do personagem de Billy Bob Thornton. Sam Raimi, que fez o excelente "A morte do diabo" com um fiapo de história, desta vez não soube detectar onde havia história demais.
Um Plano Simples (A Simple Plan, EUA, 1999). De Sam Raimi.
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A
gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente
finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
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