Sydney - O "senhor dos anéis" está entregando alguns deles para permanecer com seus dedos intactos. Pelo menos até o final do mandato, em julho do próximo ano, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Antonio Samaranch, um espanhol de 80 anos e com um título de marquês, pretende continuar sua "abertura" para manter-se sem muita turbulência no cargo.
Na quinta-feira, por exemplo, em sua primeira coletiva nesta Olimpíada, o marquês de Samaranch fez o possível para agradar as mulheres, aos australianos e até aos seus adversários.
De saída, anunciou que a americana Annita de Frantz será a primeira mulher a ocupar uma das vice-presidências do COI, após as Olimpíadas. Depois fez questão de "revelar" que tinha acabado de convidar a ex-nadadora Dawn Fraser, uma das maiores atletas australianas de todos os tempos, para substituir sua mulher, enferma, na festa de abertura dos Jogos. "Ela sentará ao meu lado e será a primeira dama dos Jogos", declarou o orgulhoso marquês de Samaranch.
Os dois gestos representam uma continuação na política de distensão do todo-poderoso chefão do esporte olímpico, denunciado no livro "O senhor dos anéis", do jornalista inglês Andrew Jennings. Na obra, no início dos anos 90, o autor acusa o marquês pelo seu passado ligado a governos totalitários e pela participação em esquemas de tráfico de influências.
Depois disso, em 1998, o COI ainda foi envolvido no escândalo sobre a escolha de Salt Lake City (EUA) como sede dos Jogos de Inverno, em 2002. Oito membros acabaram sendo punidos por terem aceito propina, mas a imagem do comitê ficou bastante arranhada.
A partir daí, Samaranch iniciou uma corrida desesperada atrás do prestígio perdido. O crescimento financeiro dos Jogos, que em Sydney devem render U$ 2,6 bilhões ao COI, tem sido um de seus grandes trunfos. Mas a melhor aposta do senhor dos anéis foi a renovação do comitê, que está passando de 113 para 127 membros, com a participação até de representantes dos atletas. "Essas eleições significam a reforma que havíamos prometido", afirmou Samaranch. "Alguns não foram fiéis aos princípios da carta olímpica e quem agir assim será sempre sacado." Entre os novos membros está o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Nuzman. "Com um número maior de países, o COI reflete melhor agora o movimento olímpico", ressaltou o marquês.
Nessa busca pela recuperação da imagem, Samaranch achou melhor aceitar a credencial de Jennings, que veio a Sydney com um novo livro "The Great Olimpic Swindle" (A Grande Fraude Olímpica), desta vez denunciando as atividades suspeitas de alguns dirigentes olímpicos, como o usbeque Gafur Rakhimov, que ligariam Samaranch à máfia russa.
Segundo Jennings, Rakhimov (presidente da Federação Internacional de Box Amador e dono de dois cargos no movimento olímpico da Ásia) é investigado pelo FBI e pela polícia de Moscou por envolvimento com falsificação, contrabando e tráfico de drogas.
Com mais esse escândalo, a imigração australiana resolveu vetar a entrada de Rakhimov em Sydney, argumentando questões de segurança nacional. Samaranch tentou interceder, mas o governo da Austrália foi inflexível.
Para não se comprometer ainda mais, o velho marquês recuou e seguiu na sua nova política de boa vizinhança. "O senhor Rakhimov não é membro do COI", começou o presidente ao ser perguntado sobre o assunto. "Tentamos interceder, mas o governo alegou problemas de segurança e temos de confiar no governo", acrescentou Samaranch. Ele só não explicou porque intercedeu por Rakhimov se o caso não atingia o comitê.
Como Jennings estava em Sydney, e credenciado, sua presença na coletiva era tão inevitável quanto sua pergunta. "Que condições tem o senhor (Bob) Hasan para justificar sua presença no COI", questionou o repórter inglês, numa referência ao dirigente indonésio, também acusado de irregularidades. "O senhor Hasan foi presidente da Federação de Atletismo, trabalhou pelo esporte e, por isso, acabou eleito", respondeu o marquês.
Jennings tentou retrucar, mas aí acabou toda a boa vontade dos poderosos do esporte. "Você já perguntou", atalhou o australiano Kevan Gosper, um dos vice-presidentes do COI, que funcionava como o coordenador da entrevista. "Depois você faz outra pergunta, mas agora deixe a vez para os colegas." A nova chance de Jennings não chegou, mas ele nem parecia se importar.
Duas outras questões sobre o índice de corrupção do COI e a alteração que o comitê fez na biografia oficial de duas jogadoras de handebol, casadas entre elas, jogaram de vez Samaranch no corner. "Não li, não sei nada sobre isso", foi a resposta padrão do marquês para as duas perguntas. Para uma coletiva que começou ao som triunfante de uma ópera, o final deixou a desejar. "Qual o balanço que o senhor faz de sua gestão", quis saber um jornalista romeno. "Em julho do ano que vem lhe respondo", devolveu Samaranch. "É uma ótima pergunta para fechar a coletiva", considerou Gosper. Pena que a resposta continuará em aberto.