Sydney - É rápida a ascensão do técnico da seleção feminina de handebol, Digenal Cerqueira, à condição de figura mais folclórica da equipe brasileira que está em Sydney.
Sua broncas, sempre teatrais, são famosas no Pavilhão 2 do Parque Olímpico, onde o Brasil sempre joga. Capaz de ser expulso em jogo-treino por xingar o juiz, Digenal desenvolveu um estilo de trabalho que, além da comprovada eficiência (levou o time do Brasil ao ouro no Pan e à sua primeira Olimpíada), é sempre divertido.
Mesmo para as jogadoras, que sofrem com repreensões públicas e aparentemente humilhantes, o técnico é motivo de riso quando o jogo acaba. No segundo tempo da partida contra a Noruega, jogadoras, jornalistas e parte do público foram surpreendidos porque Digenal não explodiu nenhuma vez.
``Também, depois do vestiário ele não tinha mais o que explodir. Só para você ter uma idéia, ele chutou a cadeira. Pensando bem, não escreve isso senão ele vai querer chutar de novo'', diz Valéria, rindo do estilo do chefe.
Apesar do jeito politicamente incorreto de tratar as atletas, Digenal só grita e xinga quando elas estão na quadra ou quando o assunto é handebol. Fora isso, a convivência entre técnico e time é sempre paternal e carinhosa.
``Gastei a bronca no vestiário e o time jogou bem. Essas meninas têm condições de jogar melhor ainda. Até agora, a Coréia não cometeu nenhum erro, estou achando que quando chegar a nossa vez de jogar com elas pode acontecer uma surpresa'', diz ele, explicando que não vai mais às coletivas ``porque não tem nada para dizer aos gringos'' e que xingou o juiz no segundo tempo ``para ele aprender a apitar direito.''
O nome, quase tão raro quanto o estilo da figura, veio por vontade do avô.
``Lá no nordeste o pessoal mais velho manda. Meu avô leu em algum livro o nome de um general que se chamava Digenal e gostou. Disse 'o meu neto vai se chamar Digenal.' Acabou a discussão. Eu até acho bom, com um nome destes não pego nenhum apelido'', brincou.
Ninguém escapa das broncas de Digenal, nem Chana, uma das melhores goleiras do mundo. ``Quando é que você vai aprender a passar uma bola? '', gritou ele várias vezes no jogo contra a Austrália. ``Não gosto de boniteza. Gol é gol, não precisa ser bonito'', é o seu slogan para as atacantes que perdem a chance de marcar.
``Ninguém precisa ficar preocupada em perder de pouco. Perder é tudo igual, seja um saco de gols ou seja de pênalti'', grita quando sente que o time está com medo.
É lógico que os slogans acima, pérolas da filosofia Digenaliana, sempre chegam ao ouvido das jogadoras recheados de palavrões. É por isso que os dias mais felizes que as meninas do handebol tiveram na Austrália foram os dois dias em que o técnico, com dor de garganta, não podia gritar.