São Paulo - Depois de enfrentar ruas alagadas em Miami e ouvir descrições das primeiras
enchentes da primavera, em São Paulo, Gil de Ferran comentou, rindo, na sexta-feira:
"Está na hora de trocar de carro; vou comprar uma arca, igual à de Noé, porque o dilúvio
está chegando." Amanhã, o piloto viaja para Surfer's Paradise, na Austrália, com esperança
de pista seca no próximo domingo. Gil, de 32 anos, poderá tornar-se o segundo brasileiro -
o primeiro foi Émerson Fittipaldi, pela Patrick, em 1989 - a vencer um campeonato da
Fórmula Indy.
Líder da temporada com 153 pontos, 19 a mais do que o canadense Paul Tracy,
com 22 de vantagem sobre Roberto Moreno e a 26 de Michael Andretti, Gil será o campeão
se aumentar a diferença para 23 pontos em relação ao adversário mais próximo. Nesse
caso, ele ganharia o título por antecipação, independentemente do resultado nas 500
Milhas de Fontana, última prova do ano, no dia 29.
Em maio, ao vencer a corrida no oval de Nazareth, Gil deu à Penske sua centésima
vitória na história da Indy. Com mais uma vitória de Gil, em Portland, e três de Hélio Castro
Neves, a Penske soma 104, 90 delas sob a organização da Cart - Championship Auto
Racing Teams -, estabelecida em 79.
Equipe vencedora, a Penske decaiu na segunda metade da década de 90, depois de
vencer o campeonato de 94 com Al Unser Jr. No fim de 99, Roger Penske fez uma
mudança radical na equipe: trocou Al Unser Jr. por Gil de Ferran e Hélio Castro Neves, o
motor Mercedes por um Honda e desistiu de construir o próprio chassi, comprando um
Reynard. Resultado: a Penske foi a equipe que mais venceu em 2000 (cinco corridas),
seguida pela Chip Ganassi (quatro, tetracampeã da Indy. Gil, com contrato já assinado
com a Penske para 2001, está pronto para seu maior desafio nas pistas.
Estado - A Penske voltou à sua melhor fase?
Gil de Ferran - Acho que ainda vai melhorar mais. Mas a possibilidade de conquistar
o título já indica uma grande evolução.
Estado - A possibilidade de tornar-se campeão da Indy aumenta a responsabilidade
no final do campeonato?
Gil - Aumenta e, por isso, não quero pensar no assunto. Estou concentrado em
acelerar, frear, saber como estará o carro, essas coisas. Tenho de ficar focado só nisso.
Mas é impossível ignorar que poderei, este mês, realizar o meu grande sonho profissional
no automobilismo esportivo.
Estado - É claro que você tentará vencer o campeonato por antecipação, na
Austrália.
Gil - Para isso terei de sair para o ataque desde o primeiro treino oficial.
Como em Houston e circuitos de rua em geral, Surfer's Paradise não é fácil para
fazer ultrapassagens, embora seja uma boa pista. Largar na frente é importante.
Estado - O jogo de equipe será mantido?
Gil - O Helinho vai me ajudar no que for possível. Em Houston, ele não teve muito o
que fazer. Dependendo da circunstância da corrida, o Roger Penske e o Tim Cindric
(presidente da equipe) podem ordenar uma determinada tática.
Estado - Ao contrário da Fórmula 1, em que a Ferrari fez jogo de equipe desde o
início da temporada, na Indy as equipes não se preocupam com isso.
Gil - A explicação é simples. As corridas da F-1, hoje, são mais previsíveis, com
apenas duas equipes de ponta. Além disso, a F-1 não tem um complicador, como as
bandeiras amarelas. Com tantas possibilidades, é muito difícil preparar uma tática prévia na
F-Indy. Na F-1 é mais fácil. São só quatro carros com chance - basta pisar no acelerador
até o fim da corrida.
Estado - Qual a característica mais importante de Surfer's Paradise?
Gil - A pista tem boa largura. Mas o mais importante é a variedade de curvas.
Sempre andei bem lá.
Estado - Desde que começou a trabalhar na Penske, você tem afirmado que é a
melhor equipe de trabalho que já conheceu. Por que ela ficou cinco anos longe da briga
pelo título?
Gil - Bem, eu não estava lá antes. Mas, pelo que pude acompanhar, foi uma série de
problemas que aconteceram ao mesmo tempo. O piloto já não estava motivado, o
desenvolvimetno do chassi não acompanhou a evolução dos demais, a Mercedes já não
estava investindo da mesma forma, etc. Por isso, o Roger mudou tudo.
Estado - A dupla brasileira deu certo na Penske. É por isso que a Newman Haas
também deverá ter uma dupla brasileira em 2001, com Christian Fittipaldi e Cristiano da
Matta?
Gil - Os americanos não raciocinam dessa forma. Acho que isso está acontecendo
por o Cristiano ser a melhor opção que eles tinham para substituir o Michael Andretti.
Estado - A Indy vai encerrar o ano com 20 corridas. Além do cansaço, a Penske
enfrenta a tensão do título.
Gil - Todo mundo está esgotado, mas a motivação faz com que ninguém pare.
Nem com ataque cardíaco. O problema é o esforço para relaxar. É cada vez maior.