Rio - João Havelange depôs nesta quinta-feira na CPI do Futebol, na Câmara dos Deputados, e demonstrou indignação com perguntas do deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP) se ele teria recebido uma fazenda na Argentina durante o período em que presidiu a Fifa e se a entidade financiava campanhas politicas, como fez a CBF.
Ele negou as duas questões. O presidente de honra da Fifa também afirmou que desconhece o conteúdo do contrato da CBF com a Nike.
"Não tenho conhecimento do contrato da CBF com a Nike. Nunca vi este contrato. Além do mais este é um problema interno da CBF que deve ser presidido pelo presidente da entidade. Eu não tenho porque opinar sobre o contrato da CBF com a Nike. Não tinha também como a Fifa controlar todos os contratos de seus filiados, que ultrapassam 200 associações federais. Só posso dizer que outras federações têm contrato com esta empresa e nenhuma conseguiu contrato melhor do que a CBF. Temos, então, que aplaudir Ricardo Teixeira, que conseguiu este negócio."
Quando o deputado José Genoíno (PT-SP) perguntou a Havelange se ele achava direito uma entidade ter contrato com uma empresa que tivesse jogadores como contratados, o ex-presidente da Fifa voltou a dizer que deconhecia o conteúdo do contrato e acrescentou.
"Quando se contrata a Orquestra Filarmônica de Berlim ela tem de se apresentar onde a querem."
O presidente de honra da Fifa recebeu uma cópia do contrato da CBF com a Nike e se comprometeu a lê-lo com calma e enviar para Aldo Rebello (PC do B-SP), presidente da CPI do Futebol, na Câmara dos Deputados, a opinião dele.
Havelange discordou do relator da CPI do Futebol, na Câmara dos Deputados. Sílvio Torres (PSDB/SP) disse que o futebol brasileiro estava em decadência, sobretudo no que se refere às denúncias de corrupção.
"Não concordo que o futebol brasileiro esteja em decadência. Quando em outubro de 1993 foi criado o ranking da Fifa, o Brasil estava em oitava lugar. Passou a primeiro e liderou em 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999 e agora, em 2000. Portanto, há seis anos o Brasil encabeça o ranking da Fifa. Além disso, em 16 edições da Copa do Mundo, o Brasil foi campeão em quatro oportunidades (1958, 1962, 1970 e 1994), duas vezes vice (1950 e 1998), ficou em terceiro em 1938 e 1978 e quarto em 1974. Portanto, em nove competições esteve entre os melhores do mundo. O futebol brasileiro também foi duas vezes campeão sub-17, três da categoria sub-20 e em duas edições da Copa das Confederações foi campeão em 1997 e vice em 1999. Quanto ao futsal, foram realizados três Mundiais e o Brasil ganhou todos, em 1989 (Holanda), 1992 (Hong Kong) e 1996 (Espanha). Já no 1° Mundial de Clubes, teve como campeão o Corinthians e vice o Vasco, dois clubes brasileiros. Em termos de Olimpíadas, foram duas medalhas de prata e uma de bronze. Ao invés de atacarem o futebol brasileiro deveriam ficar com orgulho de tantas conquistas."
Aborrecido com algumas perguntas, Havelange em alguns momentos demonstrou irritação. "Vim em respeito aos deputados, mas espero não me expor mais por causa de acusações sem provas. Eu estive na presidência da Fifa durante 24 anos e foi porque fui eleito, assim como os senhores estão aqui porque foram eleitos. Fui presidente da Fifa durante 24 anos e nunca deixei uma pergunta sem resposta. Eu respondia a uma média de seis mil cartas por ano. Não poderia deixar de esclarecer tudo o que fosse preciso no meu País. Eu só fiz trabalhar. Fico triste por duvidarem de minha conduta."
Havelange desmentiu o escritor Juan Sabrelle, que ligou o nome do presidente da Fifa ao tráfico de influência. "Não fumo nem bebo. Por que eu tenho uma vida correta inventam coisas a meu respeito? Isso é uma mentira deslavada. O sujeito que faz acusações sem provas é um crápula, um homem que não merece respeito de ninguém. Gostaria de ficar cara a cara com quem falou sobre mim. É um desrespeito, uma insensatez porque dedicou sua vida ao desporto e sempre foi muito honesto e agiu de forma correta."
Havelange também afirmou que jamais teve participação com negociação de jogadores. "Nunca comprei nem vendi qualquer jogador. Nada tenho a ver com isso."
A irritação de João Havelange aumentou quando foi questionado se durante a Copa de 1998, realizada na França, teria participado de uma reunião com o empresário J. Hawilla para tratar da venda de ingressos.
"O senhor acha que eu iria me envolver em uma reunião para falar sobre ingressos? Fico entristecido em duvidarem de mim. Ninguém traz documentação do que fala. Vamos respeitar o futebol e elevá-lo. Vamos dar emprego no Brasil através do futebol."
No que se refere ao fato de a Fifa, na época que ele foi presidente, ter ameaçado a CBF de desfiliação por causa da Lei Pelé, Havelange deu esta explicação: "Os estatutos da Fifa têm que ser respeitados. Senão o filiado será punido até que se enquadre ao regulamento da Fifa. Houve o caso de um jogo do campeonato alemão no qual a televisão mostrou que o gol foi mal anulado. A Federação Alemã anulou o jogo. O clube recorreu à Fifa. Dom Pablo Porta, um jurista de alto conhecimento sobre legislação esportiva, chegou à conclusão que o resutado do jogo deveria ser mantido. A Comissão Executiva da Fifa também entendeu desta maneira e comunicou à Federação Alemã, que disse que não iria cumprir. Então, dissemos que a Alemanha corria o risco de ser desfiliada e não disputar a Copa do Mundo. Os dirigentes da Federação Alemã resolveram manter o resultado. Repito: os estatutos da Fifa têm que ser respeitados por aqueles que quiserem ser membros dela, assim como os estatutos da ONU são respeitados por todos os seus membros."
Apesar de a CPI do Futebol, na Câmara dos Deputados, não tratar da Fifa, João Havelange não se negou a responder ao deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP) sobre a entidade que presidiu durante 24 anos.
"Quanto à Fifa, temos 260 associados com cursos pagos e financiados por duas empresas: a Coca-Cola e a Adidas. A Coca-Cola paga o equivalente a US$ 200 milhões. Ele teve a duração inicialmente de dez anos. Já foi renovado por 25 anos e após este período já houve o pedido da empresa para prorrogar o compromisso por mais 25 anos."
Havelange também disse quais foram os lucros da Fifa com as Copas do Mundo.
"A primeira Copa que realizei como presidente da Fifa, em 1978, na Argentina, rendeu US$ 78 milhões. A da Espanha, em 1982, rendeu US$ 82 milhões. Fizemos um estudo e aumentamos o número de equipes de 16 para 24 e o número de jogos de 32 para 52. Com isso, a competição passou de 25 para 30 dias. Fui altamente criticado pela imprensa de meu País. Chegaram a dizer que eu estava atrás dos votos dos africanos. Pois bem: as copas seguintes renderam US$ 500 milhões. O Mundial de 2002 foi vendido para uma tevê alemã por um bilhão e duzentos milhões de francos suíços. E os Estados Unidos ficou de fora desta negociação. A tevê americana vai pagar duzentos bilhões. Isso é administração, modéstia à parte.
Ele também teve de explicar quais são os recursos da Fifa. "A receita da Fifa vem da venda das competições para a televisão. Deixei US$ 4 bilhões nos cofres da Fifa. São estes os recursos da Fifa."
Havelange lembrou também que a Fifa tem parceiros. "É uma necessidade atualmente. A Fifa tem 12 parceiros comerciais e ninguém quer deixar de ser. Só pela televisão só 40 bilhões de pessoas assistindo em todo o mundo. Hoje em dia 450 milhões de pessoas vivem hoje em dia em torno do futebol. Veja a importância e a força do futebol."
Quando foi questionado pelo deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) se recebia salário como presidente da Fifa, João Havelange deu este esclarecimento.
"Na Fifa, quando o membro de uma comissão é chamado para ir à Suíça, a Fifa paga a passagem na classe econômica (à exceção dos integrantes do Comitê Executivo, que viajam na Primeira Classe), fica em hotel cinco estrelas, tem um carro à disposição para transportá-lo e US$ 500 por dia como indenização."
O dirigente negou que tenha participado de negociações relacionadas a placas de publicidade nos estádios.
"Com relação a placas, nada posso dizer. O secretário-geral é o primeiro a avaliar qualquer proposta. Ele a passa para os membros do Comitê Executivo. Um dos membros faz uma análise. Depois, é a vez de todos os membros do Comitê Executivo. São essas pessoas que podem autorizar ou vetar. Quando o aprovam, por votação, Só então o presidente da Fifa autoriza a fazer o contrato, em quatro idiomas."
Havelange demonstrou indignação quando o deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP) quis saber se ele tinha ganho uma fazenda no período em que presidiu a Fifa.
"Não tenho fazenda, não tenho nada. Eu moro em um apart-hotel. Meu pai teve uma fazenda em Itaguaí, no interior do Estado do Rio. Na época da Segunda Grande Guerra Mundial, o Governo autorizou a fazer uma usina justamente naquela região. A fazenda foi invadida e meu pai já era falecido. A Light me pagou na época 43 contos por um terreno de 8 mil alqueires. Pensei em entrar na Justiça e o Conselho de Segurança me desaconselhou. Fui informado que se entrasse na Justiça iria direto para a prisão. Desde então decidi que não iria comprar nada."
O presidente de honra da Fifa negou que em 1989 tenha pedido a Pelé apoio para Ricardo Teixeira ser eleito presidente da CBF.
"Fiz tudo o que pude por Pelé, como faria a um filho. Pelé foi um jogador que o mundo terá que referendá-lo sempre e não apenas neste século. Mas se eu tivesse que procurar alguém teria que ser algum presidente de federação. Tenho que felicitar as federações por terem mantido uma pessoa que conseguiu, como presidente, levar a Seleção Brasileira a conquistar tantos títulos. O Ricardo Teixeira é membro da comissão da Fifa, da comissão da Confederação Sul-Americana de Futeebol e da comissão de futsal. É uma prova que é considerado competente. Vamos respeitar o que o Ricardo Teixeira conseguiu no campo. O futebol merece respeito."
Quanto a Ricardo Teixeira dever ou não ser reeleito presidente da CBF, quem tem que decidir é a Assembléia Geral, composta por todos os presidentes das confederações e os clubes mais importantes. Esta Assembléia deve ser respeitada, assim como a Câmara dos Deputados, eleitos pelo povo.
"Havelange falou também do trabalho da Fifa e do que é realizado pela CBF.
" Viajando pelo mundo vi muita pobreza e me entristeci principalmente com as condições das crianças. Por isso, na reunião do Comitê Executivo da Fifa, em Los Angeles, pouco antes da Copa de 1994, propus fazer algo pelas crianças. A Fifa se associou ao SOS Crianças, que está em 140 países, inclusive no Brasil. A CBF também tem um trabalho parecido. A CBF, junto com a Arquidiocese do Rio de Janeiro, faz um campeonato de favelas com quase dois mil jovens, que deixam de ir para tráfico. Através do futebol, são educados. A CBF também tem um acordo para desenvolver o esporte. Mil e duzentos municípios já estão se beneficando. Este projeto ajuda os governos municipal, estadual e federal", disse Havelange, antes de passar documentação com estes dados ao presidente da CPI do Futebol, na Câmara dos Deputados.
Os empresários - que também serão investigados pela CPI do Futebol, mas no Senado - não foram atacados por Havelange.
"O empresário é uma figura respeitada na Fifa porque cumpre a sua missão. Quando não cumprir será cassado. Vários jogadores da África não tinham nem o que comer. Agora são felizes. Eles chegaram à Europa através de empresários. Se qualquer profissional tem direito a mudar de emprego quando recebe uma boa proposta, por que o jogador não pode fazer o mesmo? Por que o jogador não pode procurar o melhor negócio para ele?"
Apesar de defender a Fifa em todas as questões, João Havelange disse que estranhou o fato da maioria dos juízes que atuaram na Copa de 1966 fossem ingleses.
Ao ser indagado qual medida deveria ser tomada se fossem comprovadas as denúncias de corrupção no futebol brasileiro, Havelange deu esta opinião: "Quem comete erros, como estes, de corrupção, deveria estar na cadeia. Nunca me meti com política nem com ninguém. Eu não esperava uma pergunta dessa natureza. Eu o respeito e peço o mesmo respeito. Quero provas. Quem disse isso da minha conduta deve ser um canalha."