São Caetano do Sul - O São Caetano ganhou um forte aliado na briga por uma vaga na Libertadores do ano que vem. No jogo desta noite diante do Grêmio, pelas semifinais da Copa João Havelange, uma torcida diferente vai tomar as arquibancadas do Parque Antártica. É a “Bengala Azul”: a primeira Torcida Uniformizada (não aceita ser chamada de Organizada) do Brasil formada exclusivamente por idosos.
Gente que já passou dos 60 anos e a maioria com uma história de vida muito parecida. Quase todos os integrantes vivem na cidade já há mais de três ou quatro décadas e praticamente todos eles passaram por uma das centenas de indústrias metalúrgicas da região. Fundada em janeiro de 98, a “Bengala Azul” conta hoje com 350 sócios cadastrados. Possui um código de ética próprio e um estatuto, no mínimo, inusitado.
Para integrar a torcida, alguns itens devem ser rigorosamente respeitados, como conta Agostinho Fulcu, 66 anos, um dos fundadores e uma espécie de “faz-tudo” na entidade. A adesão só será aceita, diz ele, mediante o cumprimento dos seguintes requisitos básicos: morar na cidade há mais de 45 anos; ter mais de 65 anos e ser teimoso (“para irritar árbitros e adversários”, explica). Além disso, o candidato precisa apresentar exames recentes da próstata e pulmões (“mesmo que tenha um só”, adverte o estatuto).
Será um digno representante da “Bengala Azul” aquele torcedor que se vê acometido de constantes acessos de tosse, usa dentaduras, óculos ou aparelho de surdez (ou os três). Terão preferência na inscrição os que dependem de fralda geriátrica (item indispensável no tratamento da incontinência urinária).
Nos dois anos de vida, a torcida uniformizada nunca experimentou um período de tamanha prosperidade. O presidente Raimundo Teixeira conta que nas últimas semanas foram perto de 50 adesões (“seis só esta semana”, espanta-se ele). O sócio-fundador Agostinho Fulcu aposta num potencial ainda maior de crescimento. Ele conta sobre um programa da prefeitura que cadastrou os idosos da cidade e passou também a subsidiar os preços dos ingressos. “Tem mais de 600 idosos cadastrados. Com uma carteirinha, o idoso paga só dois reais para ver os jogos do São Caetano”, comemora.
Os últimos jogos do time estão sendo realizados no Parque Antártica - estádio do Palmeiras, em São Paulo, e que fica a 15 km de São Caetano do Sul. O estádio municipal Anacleto Campanella, que vai abrigar as partidas da equipe em 2001, está em reformas. Ainda assim, a vida dos “bengalas” tem sido tranqüila. Eles tomam um trem próximo ao Anacleto Campanella e, nem meia hora depois, descem na estação da Barra Funda. Caminham cerca de 10 minutos e já estão no Parque Antártica. Difícil tem sido acompanhar o time nos jogos fora.
No jogo contra o Etti, em Jundiaí, pelas finais da Série A-II do Campeonato Paulista, a caravana de 35 ônibus do São Caetano passou apertado. Vinte e cinco deles voltaram depredados. “Levamos pedrada de todo lado”, conta o sexagenário Vitor Antônio Ghiarella. Ele diz que não perde jogo do time, desde os tempos da terceira divisão.
Ascensão - Numa ascensão espantosa, o São Caetano saiu do “buraco negro” que marcou suas origens, chegando entre as quatro melhores equipes do País, em apenas 11 anos. Na década de 50, quando foi construído o estádio Anacleto Campanella, o time da cidade se chamava São Bento - uma fusão entre São Caetano Sport Club e o Comercial, de São Paulo. Não durou muito. Nos anos 70, o clube já era outro. Ganhou o nome de Saad - uma auto-homenagem do empresário Felício Saad, um industrial personalista e dono do time.
Em 89, surgiu a Associação Desportiva São Caetano. Disputou a terceira divisão paulista pela primeira vez em 90, com um time quase todo formado por jogadores das equipes de base do Palmeiras. O “astro” do time era o zagueiro Luis Pereira - já em fim de carreira. Foi campeão e subiu para a segunda divisão, onde ficou por algum tempo, até cair, de novo, para a Terceirona. Permaneceu ali até 98, quando subiu de volta, numa arrancada impressionante. No mesmo ano, ganhou direito de disputar a Série B do Campeonato Brasileiro.
Em 2000, veio a consagração. O time foi campeão da Série A-II do Campeonato Paulista depois de bater na final o Etti Jundiaí, com um gol de Túlio Maravilha, na casa do adversário (empatou o segundo jogo em casa). No segundo semestre, ganhou o direito de participar da fase decisiva da Copa João Havelange ao chegar em segundo lugar no Módulo Amarelo- atrás apenas do Paraná Clube.
Os velhotes da “Bengala Azul” até admitem que o São Caetano seja chamado de “nanico” da Copa João Havelange. Mas torcem o nariz para aqueles que vêem com surpresa o sucesso do time. “As pessoas se surpreendem porque não conhecem a cidade”, afirma o funcionário público José Pires Maia. “São Caetano tem tradição no esporte”, garante ele.
José Pires Maia lembra que da cidade saíram duas medalhas de prata na Olimpíada de Sydney, referindo-se aos judocas Thiago Camilo e Carlos Honorato. Assim como eles, outra estrela do judô brasileiro, Edinanci Silva, também pertence ao clube. São Caetano do Sul tem time profissional no basquete (masculino e feminino) e vôlei - uma modalidade já tradicional ali. No começo dos anos 90, o São Caetano tinha um time com gente do calibre de Ana Moser e dirigido por José Roberto Guimarães.
A força esportiva da cidade tem uma explicação simples. São Caetano tem oito grandes centros esportivos e comunitários, que atendem a 8 mil crianças de seis a 16 anos, em diversos esportes. Há equipes permanentes de atletismo, vôlei, basquete, futebol de salão, ginástica olímpica, handebol, natação e tênis.
Apesar de “confinados” aos 15km2 do município, os 140 mil habitantes de São Caetano têm um nível de qualidade de vida invejável para os padrões brasileiros. Possuem uma densidade demográfica altíssima, de 9,2 mil hab/km2 (na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, a média é de 5,2 mil hab/km2). No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medido pela ONU, São Caetano é apenas o 16º município brasileiro, mas foi escolhido como o melhor no Índice de Condições de Vida (ICV) - que leva em conta indicadores como o número de crianças nas escolas, a esperança de vida e renda familiar. Para os moradores de São Caetano, isso tudo explica a existência do time e da “Bengala Azul”.