Porto Alegre - O dia seguinte de Tinga como herói do Gre-Nal é um retrato bem acabado da nova realidade do futebol brasileiro.
Em vez de apenas curtir a atuação impecável e os dois golaços no clássico, teve que correr atrás dos seus devedores.
Além dos salários atrasados a receber no Grêmio, tem uma dívida também do Botafogo, seu clube no ano passado. Apesar dos problemas financeiros, o jogador não pensa em briga na Justiça: só quer saber de diálogo, compreendendo a crise dos clubes.
Junto do empresário Tadeu Oliveira, deixou o treino no Olímpico direto para o escritório de um advogado que está intermediando uma forma amigável de receber três meses do Botafogo. No Rio, o “motorzinho” do técnico Tite se deu bem. Saiu do Grêmio como reserva e, em General Severiano, ganhou a maturidade que o fez suportar a casamata no retorno sem esmorecer, até conquistar a titularidade com todas as honras. A mesma maturidade que hoje o faz optar por soluções negociadas para o problema dos salários atrasados, um drama ainda sem solução do Grêmio campeão do primeiro turno.
Aos 22 anos, Tinga é um caso típico de vitória da torcida. Das arquibancandas, sempre veio a exigência de colocá-lo no time. Tivesse o Botafogo dinheiro em caixa para pagar R$ 1 milhão e ele talvez nem estivesse em Porto Alegre. Mas Tinga voltou decidido a ser volante. E encontrou em Tite um parceiro ideal. Porque, ao contrário de seus predecessores, o campeão gaúcho pelo Caxias ouve. Os jogadores falam quase tanto quanto ele no vestiário. Em um contexto de salários atrasados e dívidas vencendo, a salvação tem sido justamente o grupo esquecer os cartolas e lutar por um ideal próprio.
”Falam o Zinho e o Galvão primeiro, mas o Tite incentiva o Cláudio e o Guilherme (ex-juniores recém promovidos) a opinar, entende? A gente conversa em grupo os problemas de cada um, inclusive as dificuldades táticas de cada um. É legal isso”, explica Tinga, depois de autografar a camiseta do guardador de carros Douglas da Silva Paim, 17 anos.
Depois do Gre-Nal de domingo, seria compreensível Tinga perceber a segunda-feira como a mais maravilhosa de sua vida. Foi o mais procurado para entrevistas. Na rua e no Olímpico, os torcedores corriam para pedir um autógrafo e dar parabéns pelo show de bola. Mas não. Mais maduro, ele garante que a forma de encarar a profissão mudou. E a percepção dela, idem.
”Quando fiz aquele gol contra o Sport, no Brasileirão de 1999, me senti nas alturas. Minha cabeça quase pirou. Eu era guri e, em segundos, todo mundo me queria. Era bem menos importante que o Gre-Nal, mas agora sinto tudo com equilíbrio”, ensina Tinga. “Sei que amanhã ou depois eu jogo mal e quem me elogia hoje vai me criticar. Aprendi que jogador tem que matar um leão por dia.”