Rio - Jogando suas peladas nas ruas de Realengo, ele aprendeu a malandragem da escola da vida. Nos livros, nas viagens por mais de 40 países, ele ganhou cultura, um estilo refinado e o discurso fácil. O resultado da mistura de estilos é Oswaldo de Oliveira, o técnico que virou especialista em conquistar jogadores e títulos.
Acostumado a lidar com elencos de estrelas, ele terá a dura missão de recolocar o Fluminense no caminho das grandes vitórias.
A sua imagem é de um técnico culto, de gosto refinado. Você se considera diferenciado, acima da média dos demais?
Oswaldo de Oliveira: Eu não vejo muita diferença das outras pessoas. Acho legal me considerarem culto, educado, mas não é algo forçado. Isso é uma coisa que emana de mim. Não me considero diferente dos outros treinadores. Temos o Parreira, o Autuori. Fico sem graça ao falar de minhas virtudes.
Você acha que fala a chamada linguagem do jogador?
O: Falo a língua portuguesa. Eu converso normalmente com os jogadores, não fico rebuscando. O futebol é um esporte viril, tem suas gírias. O samba e o funk também têm suas gírias, mas fazem parte da língua portuguesa. Às vezes saem até alguns palavrões. Mas uma vez, ocorreu uma brincadeira: um jogador chegou para mim e falou: pô professor, traz para o nosso vocabulário.
Apesar da imagem refinada que transmite, você faz questão de lembrar que veio do subúrbio. Como era a sua infância lá?
O: Falo porque sou suburbano mesmo. Fui criado em Realengo e lá tive uma infância rural. Soltava pipa, jogava bola de gude, peão, botão. Na minha época não tinha computador nem videogame. Eu brincava na rua. Jogava bola num campinho que fizemos com as próprias mãos. Foi bem legal porque o governo da Guanabara foi construindo casas ao redor, mas respeitou o campo, transformando-o numa praça pública. O campo tornou-se uma conquista da comunidade. Ainda jogo minhas peladas nesse mesmo campinho e não nego minhas origens. Minha mãe mora lá até hoje e meu irmão Valdemar se mudou há pouco tempo.
O Oswaldo de hoje é muito diferente daquele?
O: Eu tenho 50 anos e não posso me comparar ao garoto do subúrbio. A índole e a fôrma são as mesmas. Mas existem diferenças. Você evolui. Viajei 40 países e você vai recebendo informações, melhorando seu intelecto, sua cultura. Você sempre acrescenta alguma coisa.
Você gosta de ler? Existe algum estilo literário que o agrade mais?
O: Não há um estilo único, minhas leituras têm relação com o momento que estou vivendo. Houve uma época em que mergulhei nas obras de Jorge Amado. Depois, li vários livros sobre o Golpe Militar de 1964, uma experiência que vivi de perto. Li livros como "Brasil, nunca mais" e "1968, o ano que não terminou". Gosto do Zuenir Ventura, de livros de auto-ajuda, espiritismo. O último livro que li foi sobre o Dalai Lama e o Tibet. Também gosto dos livros que falam de futebol. Adorei a biografia do Garrincha.
Você aproveita algumas de suas leituras no cotidiano do futebol?
O: Claro. O Dalai Lama por exemplo fala muito sobre a questão da busca da felicidade. E transportei isso aqui para o Fluminense nesta semana, especificamente para o caso do doping do Roberto Brum. Nós temos de fazer com que este episódio nos traga algo de bom. Eles entenderam isso.
Você também é apaixonado por música?
O: Adoro jazz, MPB e instrumental brasileiro. Meu hobby é garimpar talentos, descobrir instrumentistas novos do nosso país. No Paço Imperial tem uma loja muito boa. Costumo freqüentar e, quando vejo uma novidade, levo para casa para ouvir.
A mudança na formação dos jogadores tem reflexo na crise do futebol brasileiro?
O: Claro que sim. O Rio, por exemplo, que criava muitos jogadores, ficou extremamente urbanizado. Na minha infância, jogávamos em todos os tipos de terrenos e com bolas de diferentes pesos e medidas. Os melhores jogadores saem das áreas carentes e passaram por essa experiência. O fim desses campos se reflete na formação dos jogadores de hoje. Por que os melhores economistas são brasileiros? Porque nosso país impõe dificuldades, como os planos econômicos, as variações nas taxas de juros e a inflação.
Você trabalhou com elencos cheios de estrelas no Vasco e no Corinthians. O Fluminense será um desafio maior?
O: Não. Muita gente esquece que, quando peguei o Corinthians, os jogadores não eram vistos como os monstros que são hoje. Quando cheguei, o Vasco era um time despedaçado. O que a torcida queria de Odvan, Nasa, Alex Oliveira, Paulo Miranda e Jorginho? Queria vê-los longe do clube. O Juninho Paulista estava esquecido no Brasil. O Juninho e o Euller jamais tinham ido à Seleção. Nem o Vasco, nem o Corinthians, estavam formados como muitos dizem. Ninguém falava no Ewerthon e há pouco tempo estávamos ensinando-o a chutar com a perna esquerda. Hoje ele é titular da Seleção. Cito o exemplo destes jogadores para o grupo do Fluminense. Os jogadores que estão aqui têm potencial e podem chegar à conquista do Brasileiro. Mas eles devem entender que será preciso trabalhar muito e se envolver com a causa.
Você parece ter o dom de fazer jogadores se envolverem com uma causa. O Edílson disse em entrevista após ser tricampeão pelo Flamengo que o Corinthians jogava e ganhava por você, assim como aconteceu com o Zagallo na Gávea.
O:Meu Deus, fiquei arrepiado agora (Oswaldo pára de falar por um instante, visivelmente emocionado). Está passando um filme de vários momentos que vivi no Corinthians, coisas que aconteceram na concentração, no vestiário. Eu sentia que os jogadores pensavam em não me decepcionar. Eles achavam que eu havia me sacrificado por eles. Mas nunca fiz esforço para que sentissem isso por mim. Não foi algo pensado. Foi uma conseqüência do meu jeito de tratar as pessoas, com carinho e respeito. Consegui ter o jogador motivado e até comovido com a causa do time.
Você assumiu o Corinthians no lugar do Wanderley Luxemburgo. Comentou-se que você só tivera a chance por influência dele. Hoje, sua imagem já se desvinculou do Wanderley. É a prova de seu sucesso?
O: As pessoas banalizam a análise das coisas. Herdei muitos traços do trabalho com o Wanderley, aprendi com ele, mas temos muitas diferenças, que se traduziam até no dia-a-dia do meu trabalho. Eu precisei de um título para que isso ficasse claro.
Mas você também foi analista. É fácil esta função?
O: Eu entendi que tudo é movido pelo ibope. Eu comentei jogos em que não sabia o que falar. Eram partidas muito ruins. Mas não dá pra dizer isso, senão o telespectador muda de canal. O analista acaba falando besteira. Eu falei muita besteira também. Lembrei do João Saldanha. Uma vez ele me disse que, por ter de escrever todos os dias, acabava perdendo a qualidade.
Depois de superar o trauma da Terceira Divisão, a pressão por títulos criada no Fluminense atrapalha?
O: Existe uma ansiedade e isso não é bom. Será preciso superá-la. A saída da Terceira Divisão fortaleceu o clube e a torcida foi fundamental. Agora, ela precisa ter o mesmo papel. Ela tem de vir junto, ser menos crítica e mais participativa.
O elenco é jovem. Estaria sentindo esta ansiedade?
O: Sim, mas eles já viveram a situação da cobrança da torcida nas últimas competições. Agora, isso não pode se repetir. Eles devem estar prontos para enfrentar a pressão por títulos. Isto é algo que a gente vai trabalhar. Jogadores como Roni e Roberto Brum, que estiveram na Terceirona, serão importantes e podem estimular os demais.
Você apostaria no Fluminense neste Campeonato Brasileiro?
O: Não gosto de apostar. Mas vou falar na primeira preleção que o jogo de estréia será nossa primeira final. Nosso objetivo é conquistar o Brasileiro. O campeonato será muito difícil. São 28 times e só quatro vagas na segunda fase. Precisamos melhorar muito, crescer, mas vamos trabalhar para chegar ao topo.
A Seleção passou um vexame na Copa das Confederações?
O: Não foi vexame e a culpa não é do técnico. É da estrutura, que é viciada e falida e está totalmente minada. O interesse empresarial supera tudo. O futebol começa após a novela.
Mas a qualidade do jogador brasileiro também não caiu?
O: A qualidade não é a mesma por causa da formação. A diferença para os outros países diminuiu. Não podemos mais nos dar ao luxo de não treinar. Não gosto de falar por razões éticas, mas nos meus times procuro manter a base sempre. Mesmo assim, o problema não é só do Leão. Não há tempo de treinar e de testar novos esquemas. Os adversários aprenderam a enfrentar o Brasil.