Ghada Terawi é uma cineasta palestina que mora em Ramalá, seu pai é uma das dezenas de pessoas presas junto com Yasser Arafat no quartel-general da Autoridade Palestina na cidade. Em um depoimento emocionado ela conta como é viver em uma cidade sitiada.
"Hoje é o 13º dia de cerco desde que as tropas israeleneses invadiram os
territórios palestinos. As últimas notícias sobre o que está acontecendo em
Jenin e em Nablus são as de que uma forte batalha ainda está sendo travada
naquelas áreas (já há 9 dias). O campo de refugiados de Jenin, que tem um
quilômetro quadrado (13 mil habitantes), foi totalmente demolido. Ouvimos
que as tropas israelenses pediram que as pessoas saíssem do campo e se
entregassem. Poucas pessoas, como homens velhos e crianças, saíram. Outros
se recusaram a deixar suas casas. Grandes retroescavadeiras demoliram casas
em cima dos habitantes, que tinham medo de ser baleados se saíssem dos
edifícios. Dois terços dos habitantes do campo estão agora na rua (essas
famílias foram expulsas de seus lares duas vezes, em 1948 e em 1967, e agora
isso aconteceu pela terceira vez).
Em Nablus, muitas pessoas estão mortas nas ruas há dias, e as ambulâncias
não podem circular. A cidade velha de Nablus, que é considerada um
patrimônio internacional, foi destruída. As construções incluem fábricas de
sabão e banhos turcos de 400 anos. Muitos países e organizações pagaram
muito para restaurar a herança cultural dessa cidade. O que está acontecendo
é que o governo de Israel quer destruir a história desta região e a história
do povo palestino.
Todas estas informações são transmitidas boca-a-boca, já que nenhum
jornalista pode entrar em Jenin ou em Nablus. Eu também consegui conversar
com uma pessoa que está trancada na Igreja da Natividade, em Belém. Ele está
lá com outras 200 pessoas (há uma semana). Ele me disse que uma das pessoas
foi baleada há uma semana e sangrou até morrer. O corpo ainda está lá, pois
as tropas israelenses que cercam o prédio não deixam a ambulância entrar
para retirá-lo. Ontem, outra pessoa foi baleada e ainda está sangrando. Tudo
o que eles comem diariamente são duas colheres de arroz por pessoa.
Em Ramalá, onde eu vivo, a situação não é muito melhor. Os soldados ainda
estão entrando nos edifícios e amedrontando as pessoas. Algumas vezes, eles
colocam todo mundo para fora e explodem as casas.
Eu não pude deixar meu prédio nos últimos 13 dias. Há tiros e bombas por
toda parte. Meu pai está com o presidente Arafat dentro do escritório da
Autoridade Palestina (muitos tanques e jipes cercam o prédio) e eu cheguei a
ouvir a voz dele uma vez quando ele me telefonou de lá.
O pior que aconteceu foi há alguns dias quando soldados israelenses entraram
nos cinco prédios históricos onde eu vivo. Eles tiraram todas as famílias e
colocaram em um só apartamento. 38 pessoas num só apartamento. Eles nos
mantiveram lá das 8 horas da noite até as 10 horas da manhã seguinte. Eles
levaram todos os telefones celulares e cortaram a linha telefônica para que
não contatássemos ninguém fora do edifício. Eu estava realmente apavorada e
humilhada. É claro, depois que eles saíram nossos apartamentos estavam
revirados. Eles remexeram em cada pedaço da casa.
Pelos últimos 13 dias, não pudemos deixar o prédio. Olhar pela janela é
perigoso, já que os franco-atiradores estão por toda parte. Hoje, uma mulher
foi morta a bala enquanto punha a roupa para secar na janela. Ouvimos tiros
e bombas durante todo o dia, mas sem saber onde ou o que está acontecendo.
Todo mundo está correndo muito perigo, e os soldados israelenses estão
matando as pessoas em toda parte. Eles estão prendendo médicos e motoristas
de ambulância.
Alguns foram encontradas em quartos, fuzilados, com os documentos de
identidade atirados sobre eles. Há marcas de sangue nos lugares onde eles
alinharam as pessoas ajoelhadas e atiraram nelas. Eles estão tirando as
pessoas de casa, vendando-as, tirando suas roupas e levando-as embora. Há
alguns dias eles entraram em hospitais de Ramalá com cães e levaram alguns
feridos. Ninguém até agora sabe o que aconteceu a esses homens.
As últimas notícias informam que os israelenses mataram 500 palestinos (nos
últimos 13 dias), mas eu temo que este número seja muito maior que os
confirmados na imprensa. Os escritórios de direitos humanos e os centros de
imprensa foram destruídos, e tudo está fora do ar. Jornalistas não podem se
movimentar ou filmar qualquer coisa. Todos os ministérios e os prédios da
Autoridade Palestina foram completamente destruídos.
Eu tenho tido sentimentos muito contraditórios nos últimos 13 dias. Estou
tensa o tempo inteiro e fico preocupada cada vez que ouço o som dos grandes
tanques na minha rua. Tenho medo que eles entrem no meu prédio outra vez. Ao
mesmo tempo, estou muito preocupada com meu pai, pensando no que pode
acontecer a ele. Outras vezes eu penso que tenho sorte, já que não fui
baleada ou ferida e não estou passando fome ou doente como muitos outros
palestinos que estão realmente sofrendo porque perderam suas casas ou seus
entes queridos. Tenho sorte porque ainda tenho uma linha de telefone e uma
televisão para manter contato com o mundo lá fora.
Me sinto muito humilhada pelo que está acontecendo. O governo israelense
está humilhando cada palestino por obrigá-lo a viver assim. Eles dão as
ordens e você tem que as seguir. Eles podem fazer o que quiserem com os seus
pertences ou com a sua vida, e você tem que obedecê-los. E eu finalmente me
sinto muito triste ao ver como o país que eu amo está sendo destruído. Tudo
está destruído. Tudo que foi construído de maneira independente nos últimos
nove anos, desde a criação da Autoridade Nacional Palestina, foi destruído.
E eu quero dizer destruído completamente.
Eu desejo que, quando as tropas israelenses saiam das cidades palestinas (se
é que eles vão sair!), eu não descubra que algumas das pessoas que eu
conheço, ou os meus amigos, estejam mortos."