Nascido no Marrocos, o cônsul israelense em São Paulo, Medad Medina, imigrou para Israel em 1956. Foi comandante de uma unidade de tanques nas guerras dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kipur, em 1973, e ocupou diversos cargos no Ministério das Relações Exteriores. Aos 56 anos, já serviu na Índia, Filipinas, Estados Unidos e Equador.
Qual a causa do conflito entre israelenses e palestinos?
A existência do Estado de Israel. Não há outra causa. Você pode me dar uma boa razão de por que os estados árabes não construíram casas pra os palestinos refugiados, não ofereceram cidadania? O povo judeu, depois da Segunda Guerra, não ficou sentado chorando e culpando os alemães por todos os problemas. Essa é a mentalidade deles: nos culpar por todos os problemas que têm.
Apesar de o senhor ver a existência do Estado de Israel como a causa do conflito, os palestinos já reconhecem o direito de existência israelense e a última reunião da Liga Árabe terminou com uma declaração no mesmo sentido. Enquanto isso, o estatuto do Likud (partido de Ariel Sharon) não admite o direito palestino a um Estado. Israel está ficando para trás na chamada “guerra moral”?
Os árabes dizem que reconhecem o direito de existência de Israel desde que aceitemos receber 4,5 milhões de palestinos, o que é inviável para a sobrevivência de um Estado judeu em Israel. Vinte por cento da população israelense já é árabe, não podemos ser um estado de maioria árabe. Eles dizem muitas palavras, mas os fatos mostram que não mudaram, que não deixam as portas abertas para acordos. Já o Likud não fala, mas faz. Foi um integrante do Likud, (o ex-primeiro-ministro) Benjamin Netanyahu, que devolveu Hebron aos palestinos e a cidade nunca foi retomada.
Por que Israel insiste em não reconhecer Arafat como legítimo negociador palestino?
Israel não quer decidir pelos palestinos, apontar quem será o líder que vai negociar conosco. Mas é perda de tempo sentar com uma pessoa que não quer a paz, que já nos causou muitos problemas ao longo dos últimos 40 anos. Arafat não pode e não quer chegar a uma solução.
Se o senhor fosse palestino, veria em Ariel Sharon um homem que pode e quer chegar a uma solução e que lutou pela paz nos últimos 40 anos?
Se fosse palestino, veria em Sharon um líder confiável, que cumpre suas palavras. O que ele prometeu, ele cumpriu.
No passado, Israel viu o Hamas como um interessante substituto à liderança da OLP, assim como os Estados Unidos já consideraram Osama bin Laden um parceiro. O senhor não teme que ao alijar Arafat do processo de paz, Israel pode acabar apoiando o surgimento de uma liderança palestina mais radical? Não é uma aposta muito arriscada?
Ninguém pode saber qual liderança substituirá Arafat. Mas, sem dúvidas, grupos como Hamas e Jihad não têm maioria entre os palestinos. Seu apoio não passa de 20% a 25% da população. Acreditar que o Hamas e a Jihad têm a possibilidade de substituir Arafat não é lógico. Ainda mais agora: nos últimos 18 meses, a população viu que a política desses grupos causou a destruição da Autoridade Palestina (AP) e da economia palestina.
Se esta análise estiver correta, como explicar a ampliação dos grupos palestinos engajados na luta armada?
Este crescimento não é recente. Toda a violência terrorista está ligada à AP. O Tanzim é parte do Fatah (grupo político de Yasser Arafat), Marwan Barghouti é líder da Fatah na Cisjordânia. A ligação entre a AP e os novos grupos terroristas mostrou que o caminho escolhido a um ano e meio atrás, pela AP, foi a violência.
A operação Muro Protetor combateu o terrorismo ou apenas conseguiu aumentar o ódio e o ciclo de violência no Oriente Médio?
O ódio é o mesmo que existia antes da operação: a população palestina não mudou, a liderança palestina não mudou. Antes da operação víamos homens-bomba nos bares, nas pizzarias, um ódio que você não pode suportar. Se os resultados foram uma pausa de um mês, como já aconteceu, é muito bom. Nos últimos dias tivemos apenas um ataque, com quatro mortos, o que é um avanço muito grande.Atingimos a infra-estrutura de muitas organizações e apreendemos muitos documentos.
Muitos alvos civis também foram atingidos: escolas, casas, estabelecimentos comerciais. Quando Israel diz que atingiu a infra-estrutura terrorista, devemos entender então que, para Israel, a AP e os palestinos estão, em todos os níveis, ligados ao terrorismo?
O terrorismo palestino está baseado dentro da população civil: no campo de refugiados de Jenin ou em Belém, por exemplo, quando eles entraram armados na Igreja da Natividade e fizeram reféns. Dentro do quartel-general de Arafat, em Ramalá, estavam seis terroristas sob a proteção do próprio Arafat. Não há como atingir essas pessoas sem atingir civis. Os princípios do Exército israelense são princípios de valores morais muito altos, e por isso não atacamos hospitais ou santuários. Mas não há outra opção: como atingir terroristas que estão dentro de um campo de refugiados? A única opção é não fazer nada
Dentro desses princípios de valores morais altos, como justificar a eliminação sumária, sem julgamento e sem condenação, de líderes palestinos?
Não são líderes, são terroristas. Qual a opção? O mundo deve fazer uma diferenciação muito grande. Essa noção de terrorismo de Estado vai deixar o mundo sem proteção: se a aceitarmos, qualquer pessoa pode fazer o que quiser e o Estado não pode se defender e defender seus civis. Não há outra opção.
Esse ponto de vista não justifica, então, o assassinato do ministro israelense Rehavam Ze’evi, um político que defendia abertamente idéias favoráveis ao crescimento da ocupação de terras palestinas por colonos judeus e até a eventual expulsão dos palestinos da Cisjordânia? Os palestinos não estavam se defendendo?
Eu faria um acordo no qual os palestinos poderiam falar contra o Estado de Israel 24 horas por dia, mas não matar. Ze’evi falava bastante, mas não mandou terroristas pra se explodir dentro da Cisjordânia. Ele não matou ninguém.
Como o senhor vê o crescimento da discussão aberta na sociedade israelense sobre a idéia de expulsar os árabes da Cisjordânia?
Israel é um país democrático. Não há lei que incrimine alguém por falar de transferência (termo usado em Israel para se referir à expulsão dos palestinos da Cisjordânia). Não temos leis que proíbam isso. Talvez o Estado de Israel devesse proibir essas manifestações, que sem dúvida são uma forma de incitação. Existem muitas coisas que Israel deve proibir e levar em conta. Mas, nesse momento, quem fala de transferência não comete crime.
Israel diz condenar a idéia de transferência, mas o gabinete de Ariel Sharon abriga figuras como o ministro Efi Eitam, um político de extrema-direita, conhecido pelo fanatismo religioso e defensor da idéia de ocupação permanente na Cisjordânia.
Há políticos que não acreditam na paz. Dentro de um governo com 24 ministros, temos apenas dois ou três que são contra a paz.
Não é muito? O senhor acreditaria num acordo de paz feito com um governo que tem "dois ou três" minsitros do Hamas, por exemplo?
Claro. O que conta é a maioria. Os jornalistas gostam de dizer que há 100 mil pessoas do grupo Shalom se manifestando contra Sharon. Mas isto é uma parcela muito pequena da população. Não tenho problemas se Hamas e Jihad Palestina estiverem na Palestina. O que precisamos é que o governo palestino esteja comprometido com a paz.
Que análise o senhor pode fazer de uma pesquisa divulgada nos últimos dias mostrando que 60% dos eleitores do Meretz (principal partido pacifista israelense) apoiam a operação Muro Protetor? Até os israelenses e palestinos mais moderados se renderam ao desejo de vingança e ódio?
Por parte dos palestinos, sem dúvida. Do lado israelense, não. A maioria, 85% dos israelenses, não tem ódio, tem muito respeito pelos palestinos. Veja os atos de terrorismo: há um ano e meio eles se explodem e matam famílias inteiras que não fizeram nada. Depois, saem para a rua para festejar. Isto mostra ódio. Os judeus em Israel não festejam o assassinato de um líder palestino, ou uma operação como a Muro Protetor. Isso não existe, não temos esse ódio.
Os israelenses têm dificuldades para separar críticas contra as políticas de Israel de críticas anti-semitas?
Quando você observa o conflito árabe-israelense, percebe como o mundo age em relação a outros conflitos. Quem mandou uma comissão de investigação ao Afeganistão? Não morreram civis lá? Quem mandou comissão de investigação ao Curdistão, quando eles foram massacrados pelos iraquianos? Para a Chechênia? Quem mandou uma comissão para investigar os atos criminosos dos terroristas palestinos? No mês de março, 126 israelenses morreram em atentados. Isso é mais do que os palestinos que acredito terem morrido em toda a operação Muro Protetor. O povo judeu é sempre julgado de uma maneira diferente, e isso demonstra o anti-semitismo.
O Conselho de Segurança da ONU é anti-semita?
Sem dúvida. Não posso falar que todos lá são anti-semitas, mas é preciso levar em conta que a ONU é uma organização na qual entre 189 países, cerca de 130 são muçulmanos ou não-alinhados. Isso é uma maioria automática para qualquer decisão contra o Estado de Israel. Não digo que o representante do Gabão ou da Nigéria, por exemplo, são anti-semitas, mas eles devem dar seu voto a seus amigos poderosos do bloco árabe-muçulmano. Por isso as decisões são sempre contra o Estado de Israel. Pedir para Israel receber uma comissão (de investigação do suposto massacre de palestinos em Jenin) desta forma é ridículo. É como você ir a um tribunal em que três dos cinco juízes são desde o princípio contra você. Você iria?
Se os jornalistas não tivessem sido proibidos de acompanhar as ações do exército israelense, esse tipo de dúvida, como sobre o que realmente aconteceu em Jenin, não poderia estar desfeito?
Nós temos responsabilidades morais sobre as pessoas que entram lá. Os jornalistas poderiam ser tomados reféns. A Rede Globo estava lá e vocês viram os tiros. O (repórter da Globo) Caco Barcelos disse que os disparos partiram do Exército israelense, mas ele está enganado. É uma coisa bem difícil: existe uma guerra, todos estão atirando, soldados israelenses morreram, eles (os palestinos) morreram, então pra que deixar jornalistas entrar lá? Pode ser que tenha sido um erro, principalmente sob o ponto de vista da imagem israelense, porque não queríamos esconder a verdade. Nos primeiros dias após Jenin, os palestinos falavam em 500 mortos, um massacre. Afirmamos suspeitar que o número de mortos era 200.Agora, instituições internacionais dizem que morreram 55, talvez chegue 70. A versão israelense é uma versão confiável. A versão palestina não pode ser acreditada.
Desde que ocupou a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, em 1967, qual a qualidade de vida que Israel conseguiu proporcionar à população palestina?
Eles vivem melhor que muitos árabes ou que em muitos países da América Latina. A renda per capita chega a US$ 2,2 mil. Claro que eles não tem qualidade de vida, mas começaram do nada e hoje estão muito melhores que Egito, Iêmen, Síria ou Jordânia. Não é possível chegar a uma renda alta de uma hora para outra, o Brasil não conseguiu isso. Esses territórios sempre estiveram ocupados e nunca houve programas especiais para o desenvolvimento da região. Construímos escolas, hospitais, algumas coisas, mas em geral não fizemos o que uma população mesmo teria feito. Como uma força que ocupa esse território, fizemos o que teríamos que fazer. Talvez pudéssemos ter feito mais.
Por que os últimos governos israelenses não pararam de construir assentamentos em territórios palestinos? Mesmo Barak, enquanto negociava em Camp David, continuou construindo casas em terra palestina
Desde a conferência de Madri os palestinos compreenderam que estávamos falando de uma autonomia, de dois estados. É um diálogo e eles deveriam ter tido um pouco mais de paciência. Desde os acordos de Oslo, Israel constrói apenas o crescimento natural de assentamentos. Sempre dissemos que isso não significa que iremos ficar lá para a eternidade. Quando devolvemos o Sinai para o Egito, desmantelamos os assentamentos e devolvemos toda a terra. Isso mostra que Israel também pode tirar assentamentos da Cisjordânia. Neste momento é problemático, mas com acordos estou certo que vamos chegar a um ponto onde os assentamentos serão reduzidos. Ou a solução talvez seja deixar todos os assentamentos lá, não sei. Se temos 1 milhão de árabes vivendo em Israel, com passaporte israelense, não vejo por que judeus não possam viver lá, dentro de uma negociação aceita por palestinos. As negociações estão abertas. Afinal, estamos falando de 3% dos territórios da Faixa de Gaza e Cisjordânia.
O que precisa mudar na sociedade israelense para que a paz seja alcançada?
Os israelenses precisam pensar melhor sobre o que querem. Eles querem a paz, mas devem refletir seriamente sobre os detalhes: que tipo de Estado os palestinos terão, qual as fronteiras. Não podemos mudar nossa posição quanto ao não recebimento dos refugiados ou quanto à indivisibilidade de Jerusalém.