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"Questões polÃticas sobrepõem as cientÃficas"
A presidente da Associação Nacional de Biossegurança, Leila Macedo Oda, reclama que a burocracia brasileira entrava o desenvolvimento das pesquisas com transgênicos. Conforme a microbiologista, ex-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a polÃtica está se sobrepondo à ciência no PaÃs. Leila tem liderado manifestações de cientistas em BrasÃlia, pedindo mudanças no projeto de lei de biossegurança, em discussão no Congresso. Segundo ela, a legislação de biossegurança foi desvirtuada e hoje há uma série de exigências impossÃveis de serem cumpridas do ponto de vista cientÃfico.
Que paÃses se destacam nas pesquisas com transgênicos?
No que diz respeito a transgenia em plantas, certamente os Estados Unidos, Canadá, China e Cuba. Cuba ocupa hoje uma posição de destaque entre os paises latino-americanos com relação a este tipo de pesquisa. O paÃs desenvolveu uma banana transgênica resistente a sigatoka negra, uma das pragas provocadas por fungo mais comuns em plantações de banana, que passará a ser comercializada em breve. O Brasil se destaca na área de pesquisas genômicas e proteônicas, mas infelizmente os avanços ficam parados na esfera das pesquisas, pois as questões polÃticas sobrepõem as cientÃficas e a burocracia bloqueia os avanços.
Qual a situação das pesquisas com transgênicos no Brasil e o que deveria ser feito para promover seu avanço?
O Brasil conta com várias instituições dedicadas a pesquisas com transgênicos de segunda e terceira geração que visam benefÃcios diretos à população através do desenvolvimento de biorredutores para a produção de vacinas, de alimentos mais nutritivos, etc, e é pioneiro na área de sequenciamento de genomas. Mas como mencionei anteriormente, apesar de ocupar uma posição de destaque, sofre com o excesso de burocracia. Para que os avanços aconteçam, é muito importante tirar as discussões da esfera emocional. A biossegurança deve ser tratada em um contexto cientÃfico, e é essencial que as pesquisas envolvam processos de avaliação de risco. O órgão responsável pelas análises de segurança deveria ser composto majoritariamente por cientistas. Também deveriam fazer parte deste órgão as ONGs, responsáveis pela avaliação e ponderação dos impactos socioeconômicos. A participação do poder executivo deveria acontecer em uma segunda instância, após a emissão do diagnóstico de isenção de risco, para definir se é conveniente liberar o transgênico para comercialização e produção no paÃs. Podemos citar como exemplo o modelo argentino. Na Argentina há uma comissão de biossegurança, a Conab, que emite o parecer sobre a segurança do novo transgênico. Apenas após a liberação pela Conab é que os polÃticos definem se é conveniente liberar a produção e comercialização no paÃs. A Conab autorizou a produção de canola no paÃs. No entanto, houve proibição na instância polÃtica, pois o principal mercado para a canola argentina é a Europa, onde a comercialização da canola transgênica é proibida.
O Brasil tem condições de competir externamente na área de biotecnologia?
Com certeza. Durante uma reunião da FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, ocorrida recentemente no Panamá, o Brasil apareceu como pioneiro nas áreas de pesquisas proteônica e genômica na América Latina e Caribe, ao lado de Cuba. No Brasil existem vários cultivares aguardando liberação. O Brasil tem condições de ocupar uma posição de destaque na América Latina e no exterior, mas para isso, a moratória de cinco anos imposta por questões jurÃdicas precisa cair.
A atual lei de biossegurança brasileira (Lei 8974/95) foi baseada no modelo europeu, e a Europa é um dos continentes mais resistentes aos transgênicos, isso significa que o modelo brasileiro é suficientemente seguro? Os vetos do executivo na ocasião em que a lei foi editada não desvirtuaram o texto original?
Sim, desvirtuaram. Há dois modelos regulatórios no mundo, o americano e o europeu. Nos Estados Unidos não existe uma lei que exija uma análise especÃfica. Os transgênicos são analisados conforme seus riscos para o meio ambiente, saúde e agricultura, ou seja, não há distinção entre tecnologia e produção. O modelo europeu diferencia a tecnologia da produção. O modelo brasileiro é adequado e serviu de exemplo para vários paÃses da América Latina. Inclusive, aprimorou o modelo europeu, mas os vetos do executivo geraram um conflito colocando sob questionamento a capacidade da CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, de executar sua função de avaliação de risco biológico dos OGMs, organismos geneticamente modificados.
Que papel você acredita que a nova lei de biossegurança deveria cumprir?
A primeira instância de análise de risco deve ser cientifica e os estudos devem ser feitos caso a caso para que fique comprovada a segurança para os seres humanos e o meio ambiente. E caso exista uma instância decisória posterior, ela deveria acatar a decisão da comissão cientÃfica, e levar em consideração os aspectos econômicos e polÃticos.
Na sua opinião, por quê o termo "transgênicos" causa tanto espanto à população?
Essa terminologia e a forma deturpada como os movimentos contrários apresentaram o assunto, levaram a formação de uma idéia pré-concebida de risco, com ênfase nos aspectos negativos. A população ficou insegura, pois não foi dado a ela o direito de escolha. O processo de socialização da informação cientifica está no inÃcio. A ciência esteve muito distante da sociedade e as campanhas contrárias suscitaram dúvidas. É necessário que haja um forte processo de esclarecimento e de socialização da informação, para que a compreensão do tema não fique comprometida. O próprio discurso da rotulagem veio distorcido. Não há como saber se o produto é seguro ou não. A função do rótulo é dar ao consumidor o direito de escolher. O rótulo será uma barreira comercial, pois a população já está com medo. Para que a população possa consumir de forma tranqüila, é preciso conscientizá-la.
Você acredita que a longo prazo os transgênicos podem trazer mais benefÃcios que prejuÃzos?
Não é possÃvel generalizar, para cada caso haverá uma análise. As enzimas usadas na fabricação do queijo são produzidas por organismos transgênicos e vêm sendo consumidas há anos. Estão sendo pesquisados alimentos com um teor nutritivo mais acentuado que têm como objetivo dar respostas à s limitações dos processos agrÃcolas. Não existem prejuÃzos se for comprovado que o transgênico é seguro, traz vantagens agrÃcolas e benefÃcios para os seres humanos e o meio ambiente.
Você defende a elaboração de um Código de Ética de Manipulação Genética para orientar o trabalho dos pesquisadores. Quais seriam os pilares deste código?
A primeira questão diz respeito às pesquisas realizadas com seres humanos, ou seja, àquelas relacionadas ao tratamento das doenças degenerativas e de células tronco. Essas pesquisas devem seguir as premissas da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece as diretrizes e os regulamentos de pesquisas envolvendo seres humanos.
Esta Resolução incorpora os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça e visa assegurar os direitos e deveres da comunidade cientÃfica, dos sujeitos da pesquisa e do Estado. A segunda questão diz respeito à s pesquisas com animais e vegetais, cujas normas devem ser orientadas pela busca de benefÃcios reais para a humanidade.
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