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O SUSPEITO DA RUA ARLINGTON
RAPIDINHO
Quem lembra de um bom filme americano sobre terrorismo? Difícil, né? Terrorismo quase sempre é um bom ponto de partida para filmes péssimos estrelados por Sylvester Stallone ou Bruce Willis. Na verdade, esses filmes nem são sobre terrorismo. São sobre heróis acima de qualquer suspeita que matam uns doze ou treze terroristas mal-encarados, que antes haviam detonado umas doze ou trezes criancinhas desamparadas.
O Suspeito da Rua Arlington, um bom filme de ação e suspense, ainda consegue refletir, mesmo que minimamente, sobre o terror em si, suas possíveis táticas, suas possíveis origens e suas possíveis conseqüências, tudo isso sem perder o ritmo, sem ser didático demais, nem patriótico demais. "O Suspeito da Rua Arlington" é boa diversão, e ainda faz o cérebo funcionar.
AGORA COM MAIS CALMA
Mark Pellington tinha muitas armadilhas à sua frente para dirigir este filme. E foi superando-as, uma a uma, para chegar ao bom resultado final. Vamos começar pelos personagens. Um professor universitário teve sua vida destroçada pela morte da mulher, agente do FBI, em missão supostamente anti-terror. Este professor, que agora dá um curso especial sobre terrorismo, tem dificuldades para lidar com um filho adolescente, ainda muito abalado pela perda da mãe, e com a nova namorada (e ex-aluna), ainda uma intrusa naquele lar infeliz.
De repente, o professor salva da morte uma outra criança, da idade do seu filho, e através dela conhece um casal de vizinhos, muito simpáticos e tipicamente americanos, que em breve serão suspeitos de terrorismo. É isso. Ou quase isso. Ou parece ser isso.
Colocar os terroristas como "nossos queridos vizinhos" é interessante, porque evita aqueles estereótipos idiotas de "super-esconderijos subterrâneos". Estabelecer, desde os créditos iniciais, uma relação emocional forte entre o herói e os vilões também é legal. O vilão está realmente agradecido, porque ele realmente ama seu filho. À medida em que as suspeitas crescem, o herói fica lembrando a maneira como tudo começou, e tende e desconfiar de si mesmo (pode ser tudo uma grande paranóia, como afirma a namorada).
O herói, assim, vira um sujeito conflituado, frágil, que tem bons indícios e sabe investigar, mas não tem "certezas". Dá pra imaginar o Stallone nesse papel?
O terrorista, por sua vez, pode não ser um terrorista. Pode ser um cidadão que cometeu um erro na juventude e depois trocou de nome. Agora está casado, tem três filhos e quer esquecer o passado. Mais do que isso: ele sabe se relacionar com o filho do herói com muito mais competência do que o herói. O vizinho tem certeza sobre certas coisas. O vizinho pode ser apenas um cara legal.
Para viver estes dois personagens, Pellington escalou Jeff Bridges e Tim Robbins. E acertou nas duas escolhas. Bridges é um ator limitado, que sempre oscilou entre a figura do galã-herói e a de intérprete dramático "sério", não se firmando em nenhuma das duas. Neste filme (com exceção, talvez, de pequenos escorregões em cenas familiares) está muito bem, porque sua imagem indefinida combina muito bem com o personagem que encarna.
Quanto a Tim Robbins, que é um grander ator (e diretor), só dá pra dizer que, se fosse terrorista na vida real, a Casa Branca já tinha ido para os ares há tempo.
Ao dirigir este bom elenco nesta boa história, Pellington não inventou nada de novo. Fez um bom feijão-com-arroz: valorizou os personagens secundários, intercalou momentos de ação com seqüências de suspense, decupou classicamente, cobriu tudo com uma trilha incidental e juntou tudo numa montagem competente. Mas ainda faltava uma grande, enorme, perigosíssima, armadilha: o final. Como terminar esse filme? Quem vence? O herói é herói, ou é um paranóico? E, é claro, sendo um herói (não estou afirmando isso!), a bomba vai estourar ou não?
O final de "O suspeito da rua Arlington" é muito engenhoso e nos faz repensar o filme todo. E algumas pontas desatadas do roteiro, que pareciam torná-lo meio inverossímil, viram nós-cegos - fortes, simples, seguros. Graças aos deuses do cinema, Mark Pellington não foi seduzido pelo final feliz (e aposto que a produção pensou nisso...).
Pra mim, sobra só uma coincidência dispensável: a maneira absolutamente fortuita com que a namorada do herói vê uma atitude suspeita no estacionamento do shopping. Mas é uma acusação muito frágil contra um filme que, ao contrário das bruxas que andam por aí, cumpre o que promete, mostra o que precisa mostrar e, em vez de chacoalhar a câmara, consegue chacoalhar nosso cérebro durante mais de duas horas. E isso é muito divertido, não é? Buuuummmmm!
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O Suspeito da Rua Arlington (Arlington Road, EUA 1999). De Mark Pellington
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A
gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente
finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
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