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CORAÇÕES APAIXONADOS
RAPIDINHO
Lembram da estrutura de Barril de pólvora? Uma cidade (Belgrado), muitos personagens e a certeza de que viver não vale muito a pena, porque todos eles estão condenados à morte. Não necessariamente à morte física, mas com certeza à morte de seus sonhos. O roteiro não fazia questão de costurar muito aquelas vidas, e a sensação era de derrota do ser humano frente à realidade.
Em Corações apaixonados, temos uma cidade
(Los Angeles) , muitos personagens e a certeza de que viver vale a pena, porque todos eles, mesmo convivendo com a morte física, são capazes de alcançar pequenas vitórias pessoais frente à realidade. Um filme é brilhantemente pessimista, o outro é assumidamente otimista, e por isso, em seu final, faz uma costura mais do que generosa com todos os seus personagens, como se a vida, que parecia tão absurda e caótica, pudesse ser entendida e encaixada num roteiro "certinho". Isso prejudica "Corações apaixonados", porque o seu otimismo fica artificial. Por outro lado, se assistíssemos apenas a filmes pessimistas, a vida seria absurda e caótica demais. Um "happy end", de vez em quando, até faz bem para o coração.
AGORA COM MAIS CALMA
Fui ver "Corações apaixonados" simplesmente porque, no trailer, tocava uma música maravilhosa, chamada "Drinking in L.A.", da banda Bran Van 3000. Quem tinha bom gosto de escolher aquela grande música teria bom gosto de fazer um grande filme. Certo? Errado.
A música só aparece nos créditos iniciais, num arranjo muito capenga, e depois desaparece sem deixar vestígios. No resto de "Corações apaixonados", ouvimos a trilha mais do que previsível de John Barry. O diretor Willard Carroll tinha um elenco de primeira e um roteiro com boas idéias, mas fracassou ao transformar essas boas idéias numa sucessão de lugares comuns.
Los Angeles está bonita, Sean Connery continua com aquela voz de Deus e Madeleine Stowe arrasa quarteirões, mas quem já não sabia disso ao entrar no cinema? Faltou ousadia e sobrou conformidade. Faltou Bran Van 3000 e sobrou John Barry.
Algumas das boas idéias, contudo, sobrevivem. "Corações apaixonados" fala , por exemplo, da AIDS. É um tema delicado, que o cinema tem dificuldade em abordar.
Em "Por uma noite apenas" (de Mike Figgis), a intenção era boa, mas o drama do doente estava muito afastado do enredo principal. No filme de Carrol, como não há um enredo principal, a AIDS ocupa um lugar expressivo e mesmo assim não transforma a história em tragédia. Também funciona bem a discussão entre Connery e Gena Rowlands, que colocam seu casamento de 40 anos em xeque e descobrem algumas verdades sobre o passado de ambos.
"Corações apaixonados" cresce quando concentra seu foco. Talvez fosse um grande filme se tivesse menos personagens e menos preocupação com o lado glamouroso da cidade e de seus habitantes.
Gillian Anderson, que continua tão sensual quanto um pote de geléia, é um dos personagens dispensáveis. A sua dificuldade em começar uma relação amorosa não emociona nem faz pensar. E a gente fica o tempo todo achando que o seu novo namorado é um ET disfarçado de arquiteto.
Dennis Quaid, normalmente um ator cheio de energia, está muito chato. Suas histórias de bêbado também são chatas. Quando as tais histórias são explicadas, de modo inverossímil, sobra pouca coisa de seu drama conjugal. Ellen Burstyn defende com fervor seu personagem e chora muito bem, mas, na verdade, ela é a mais dispensável de todas. Quando eu falei no bom enfoque da AIDS, não estava me referindo a ela e a seu filho em estado terminal. Mas, retirando tantos personagens, o filme não seria outro? Talvez.
O papel da crítica é imaginar outros filmes, e não ficar contando milhões de vezes o que está na tela. Em um bom painel de personagens, como ensina o mestre Altman, cada um deles se justifica. Entretanto, mesmo com suas concessões, seus desequilíbrios e seu otimismo artificial, "Corações apaixonados" merece ser visto. São histórias de amor, são bons atores e são momentos de bom cinema. E, nessa semana do fim do mundo, um pouco de otimismo não faz mal algum.
Corações Apaixonados (Playing by heart, EUA, 1999). De Willard Carroll
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A
gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente
finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.
Índice de colunas.
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