Sydney - Dois dias antes da cerimônia de abertura, a última Olimpíada do século já começou para a população de Sydney e promete ser uma das mais animadas e organizadas da história. A maior prova disso foi a multidão de mais de 100 mil pessoas que transformou a quarta-feira em domingo e invadiu o Parque Olímpico, no distante bairro de Homebush Bay. Enquanto os atletas treinavam para experimentar os estádios, ginásios, quadras e piscinas, lá fora, milhares de pessoas lotavam o bulevar, as tendas de fast-food, os stands dos patrocinadores e a superloja de produtos olímpicos. Se é verdade que o mundo está em Sydney, os seus moradores não querem perder nenhum momento.
Além do sol mais generoso dos últimos dias e das férias escolares, não faltavam motivos para a verdadeira ocupação do complexo esportivo. A grande maioria foi assistir ou participar do último ensaio para a cerimônia de abertura no estádio Olímpico. Muitos, porém, ainda foram atrás dos últimos ingressos disponíveis. Outros aproveitaram para fazer compras na superloja do parque e alguns turistas simplesmente queriam conhecer o lugar.
Mas, a grande festa mesmo foi do público local. Parece que ninguém quis ficar em casa. Nenhum motivo foi suficiente para se deixar de ir ao parque. Muitos idosos, alguns em cadeira de rodas, crianças correndo, bebês em seus carrinhos (sempre com bochechas rosadas) e até um recém-nascido podiam ser vistos ao redor do estádio, como se estivessem no quintal de casa. A maior afluência era para o ensaio no Estádio Olímpico.
Em uma área de poucos quilômetros quadrados, era preciso organizar a movimentação de mais de 100 mil pessoas, que se cruzavam com destinos diferentes. Noventa mil parentes e amigos dos voluntários, que receberam dois convites cada para serem distribuídos, saíam da estação de trem com destino ao Estádio Olímpico.
A alguns metros dali, dez mil protagonistas da festa se concentravam no estádio de aquecimento para o atletismo, enquanto outros dois mil músicos da Banda Sydney-2000 (a maior do mundo, segundo alguns cartazes espalhados pela cidade) se deslocavam até um terceiro estádio, de beisebol, do outro lado do bulevar. Tudo isso em meio a multidão que percorria as instalações do parque, onde centenas de atletas nadavam, corriam e disputavam amistosos.
Apesar de toda a movimentação e da meia dúzia de policiais, não houve nenhuma confusão. Batalhões de voluntários e seguranças da Olimpíada orientavam os pedestres. Primeiro, os dez mil figurantes da festa foram deslocados para o estádio de atletismo. Em seguida, os dois mil músicos atravessaram sem problemas o bulevar, carregando seus instrumentos para o ensaio. A multidão esperou paciente mais de 20 minutos para continuar sua caminhada. Quando ela foi reiniciada, cercas móveis já haviam sido colocadas ao redor do Estádio Olímpico, onde só se ingressava com o ingresso. O resto do espaço ficou para os transeuntes que apenas passeavam pelo local.
Não houve confusão nem no guichê dos tickets, que engolia lentamente duas organizadas e bem comportadas filas. Ali, ninguém parecia muito preocupado com a espera. "Quero ingressos para o vôlei, mas não tenho a mínima idéia se ainda vou encontrar algum", explicou a estudante Claudine Ronin. Ao seu lado, o office-boy Sydney Collin sonhava com algumas entradas para a ginástica. "Não tive tempo para vir antes e não sei se conseguirei os ingressos, mas vou cruzar os dedos."
A organização era tanta que alguns brasileiros ficaram perdidos. "Você não quer alguns ingressos para o judô?", pergunta o engenheiro e dublê de cambista, Hamilton Correia, ao lado da fila. Depois de gastar cerca de R$ 330,00 com 14 tickets, Hamilton parece disposto a recuperar parte do dinheiro. "Não quer nem para o vôlei? Ainda tenho três pelo mesmo preço", insiste. Como na fila também ninguém se manifesta, ele diz que já tem seu plano B. "Trouxe vinte camisas do Banco do Brasil, que vou vender para a torcida brasileira", anuncia. Desanimado, Hamilton sai com o seu "mico" na mão, enquanto a fila segue imperturbável.
Nada, aliás, parece que vai atrapalhar a festa australiana. Para fechar o dia, com o know-how de várias festas de reveillón inesquecíveis, os organizadores promoveram uma chuva de fogos, que coloriu a noite do parque durante cinco minutos e encerrou o ensaio. Era só uma simulação, mas ficou a impressão de que a verdadeira festa já começou.