Brasília - Ministros, governadores, ministros e padres esperam com toda a boa vontade nas salas da presidência do Senado. Prefeitos da Bahia pedem "pelo amor de Deus" para levar uma foto com "o presidente" e provar aos eleitores que são "homens do ACM". Em seu gabinete, o baiano Antônio Carlos Magalhães só é tratado por "presidente".
Ele adora o duplo sentido da palavra, já que preside o Senado e é considerado por muitos políticos como o homem mais poderoso do Brasil. O movimento de políticos importantes brasileiros é maior no seu gabinete do que no do próprio presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
Depois de quatro décadas de poder crescente, ACM resolveu acabar com a desconfiança que o atormentava há anos. Aos 73 anos sua indignação chegou ao limite com o futebol e resolveu agir. "A CPI foi instaurada para buscar todos os bandidos do futebol. O esporte do povo não será usado para lavagem de dinheiro do narcotráfico. E quem engana o fisco também. Quem está garantindo que a CPI do futebol punirá quem for, por mais poderoso que seja, como o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, sou eu", garantiu Antônio Carlos Magalhães em entrevista exclusiva ao Jornal da Tarde, em Brasília. E revelou: "Ninguém sabe, mas já mandei estender o prazo da CPI. Vamos examinar tudo, leve o tempo que for."
Quando o senhor resolveu que a CPI do Futebol deveria ser instalada?
ACM - A gota d'água foi o fim vergonhoso da participação do Brasil na Olimpíada de Sydney. Nos outros esportes o resultado ruim já era esperado.
Mas no futebol não. Foi um desastre em boa parte pelas acusações contra o nosso treinador. É uma vergonha internacional para a imagem do meu País ter um técnico da Seleção envolvido em sonegação de impostos.
O senhor resolveu ir adiante com a CPI mesmo com a ameaça do presidente da Fifa, Joseph Blatter, de tirar o Brasil da Copa de 2002.
Ninguém desafia a soberania do Brasil. A Fifa não quis a CPI porque existem países com a situação do futebol muito pior do que a nossa. Eles têm medo que outros países sigam nosso exemplo e descubram tudo de podre que acontece no futebol. Mas o problema é deles. Quem manda no Brasil são os brasileiros.
Que nos tirem da Copa do Mundo, mas a CPI vai até o fim. Foi instaurada e vai buscar todos os bandidos do futebol brasileiro.
Bandidos?
Há décadas ouço absurdos sobre nosso futebol, que cada vez mais estava perdendo credibilidade. Quero saber se serve como lavagem de dinheiro do narcotráfico. Quero saber e punir quem sonega imposto. Os jogadores não têm idéia do que acontece com o dinheiro que eles movimentam para seus clubes.
Em São Paulo não é divulgado público e renda das partidas. Só pode ser para sonegação.
Poderosos serão punidos?
Desde que as provas sejam incontestáveis, todos. Sou muito amigo do ex-presidente da Fifa, João Havelange, e sei que nada o envolve. Conheço também o presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Mas se tiver algo que o comprometa, será o primeiro punido. Quem está garantindo isso sou eu.
Não é uma vergonha políticos envolvidos no esporte como Eurico Miranda e Zezé Perrela estarem à frente da CPI?
Também acho, mas não posso fazer nada. São os partidos que indicam os deputados que trabalham na CPI mas por uma questão de consciência essas pessoas deveriam se isentar. Eu não trabalharia, mas isso vai da consciência de cada um.
Essa CPI não está acontecendo para abafar outros escândalos, como o de Eduardo Jorge (amigo do presidente Fernando Henrique, acusado de enriquecimento ilícito) ou do juiz
Nicolau dos Santos (que sumiu com o dinheiro da construção do novo prédio do Tribunal de Contas em São Paulo)?
Quem fala isso não me conhece. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Estou trabalhando para a moralidade do futebol, mas também sei o que de errado existe em outras áreas do País. E os outros casos que você citou estão sendo investigados com tanta seriedade como a CPI do futebol. Que ninguém duvide disso.
O futebol brasileiro vencedor, como em 1970, ajuda a situação, e o derrotado favorece a esquerda e o PT?
O futebol representa o brasileiro. Se a Seleção é humilhada nos campos do mundo, dá desânimo, baixa o espírito, a autoestima. E a esquerda, principalmente o PT, é beneficiada com esse clima psicológico. A ascensão do PT nas eleições para prefeito deve uma parcela ao fracasso do futebol. Mas não existe esse cunho político na CPI. Nossa preocupação é eliminar os bandidos do futebol brasileiro. Não estou pensando em eleição.
Em 2002, a eleição presidencial será logo após a Copa do Mundo. (ACM tem muitas chances de ser candidato.) O PT será favorecido com uma derrota do Brasil?
O PT não será beneficiado de jeito nenhum porque em 2002 o futebol brasileiro estará limpo e melhor, como o resto do País. Isso será até mais importante do que ganhar ou perder a Copa do Mundo.
O senhor também chegou a jogar futebol, não é?
Eu era um center-half. Esforçado, mas não dos melhores. Bom foi meu irmão que jogava na frente e foi campeão duas vezes no time profissional do Ipiranga. Meus interesses sempre foram outros, voltados para a política.
Sendo político e baiano o senhor tem de torcer para o Vitória e para o Bahia?
O que é isso? Sou Vitória. O povo da Bahia me entende e respeita a minha opinião. Mesmo os torcedores do Bahia, que sabem o que eu posso para o bem do meu Estado.
Qual a sua maior alegria no futebol? Foi com a Seleção Brasileira?
Não. Foi com o meu Vitória mesmo - me deu muito prazer ver o time decidir o Campeonato Brasileiro de 1993. Tinha o Dida, o Edílson, muita gente boa. Vi de perto, como torcedor mesmo. Pena que não foi campeão (perdeu para o Palmeiras o título). Depois não vi surgir um Vitória tão bom.
O futebol serve mesmo como ópio do povo?
Isso é uma antiga besteira da esquerda. O futebol não serve mais como pano de nada. A situação do Brasil é dificíl e uma partida de futebol não faz ninguém esquecer a pobreza do dia seguinte. Temos de melhorar é o Brasil e dar ao futebol a importância que ele tem como esporte e entretenimento. Vida real é outra história.
O eixo Rio-São Paulo domina o futebol de todo o País. Isso impede o desenvolvimento de outros esportistas no Brasil?
São Paulo e Rio de Janeiro dominam porque o dinheiro está lá. Mas isso não impede que surjam craques por aí. Principalmente na Bahia. Como o Bebeto, o Dida e o Vampeta. Fica mais difícil, mas quem for bom mesmo abre seu espaço.
Assim é no futebol, na vida, na política...
A CBF não deveria ser mudada para Brasília?
Não, de jeito nenhum. A CBF precisa de holofotes. Quanto mais iluminada e com todas suas decisões vistas e repercutidas pela imprensa, melhor. Que fique no Rio mesmo. Pode acreditar em mim que o futebol brasileiro ganha com isso. Brasília fica com a vida política do País.
O que o senhor acha da tese que o Brasil entregou a partida final da Copa do Mundo contra a França?
Outra bobagem que as pessoas gostam de acreditar. Uma desculpa para continuarem acreditando que os brasileiros são os melhores jogadores do mundo. Para mim não houve entrega nenhuma. O problema foi estratégico. Nosso time foi superado de forma legítima pelo francês. Jogou pior e perdeu. O resto é imaginação.
Renata Alves deu seu depoimento; o ex-treinador da Seleção Brasileira, Wanderley
Luxemburgo, fala em não ser "boi de piranha da CPI". O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Ninguém será sacrificado.Não tenho interesse nenhum em punir alguém para encobrir outros. Os bandidos serão punidos, independentemente de quem seja.
Ninguém vai ficar com a culpa sozinho ou ser sacrificado. E todos serão bem investigados. As acusações terão de ser comprovadas. A CPI vai fazer do futebol brasileiro uma coisa séria - algo que realmente mereça credibilidade.