São Paulo - Se os europeus e sul-americanos ainda precisam de uma votação para decidir entre Pelé e Maradona, para os norte-americanos o atleta do século 20 já está escolhido há muitos anos: o eterno campeão dos pesados Muhammad Ali.
O Rei do Mundo (Muhammad Ali e a ascensão de um herói americano), do jornalista David Remnick (tradução de Celso Nogueira), lançamento para dezembro da Companhia das Letras, é a biografia dos tempos de Cassius Clay, do primeiro título mundial, da conversão ao islamismo. O canal Telecine Premium, da Net, exibe nesta quarta-feira, às19h30, a produção para tevê O Rei do Mundo, baseada no livro que está chegando ao Brasil.
Ali já conta com cerca de duas dezenas de bons livros sobre seus feitos no mundo do boxe. A Luta, de Norman Mailer, um belo relato do combate entre Muhammad Ali e George Foreman, em Kinshasa, Congo, em 1974, foi relançado no Brasil no ano passado.
O centro do livro de Remnick, editor do New York Times, é a primeira luta de Ali contra Sonny Liston, em fevereiro de 64, na cidade de Miami. O campeão Liston era favorito na proporção de sete para um. Mas apanhou tanto que se recusou a voltar para o oitavo assalto. Na revanche, 15 meses depois, Ali voltou a vencê-lo, nocauteando-o no primeiro assalto.
Filme e livro exploram bem um fato até agora não bem explicado na primeira luta entre Ali e Liston. Consta que o campeão Charles Sonny Liston combinou com um de seus assistentes, Joe Pollino, para borrifar sua luva com alguma substância – óleo de gautéria ou cloreto férrico para estancar o sangue – e, dessa forma cegar momentaneamente Muhammad Ali quando começasse a disparar seus golpes.
Ali sentiu dores, reclamou da visão e queria desistir da luta. O técnico Angelo Dundee convenceu-o a continuar e agarrar o adversário por algum tempo. Então o olhar se clareou e Ali voltou a bater. O Rei do Mundo, lançado em 98, ganhou o prêmio de melhor livro de não-ficção da revista Time.
Por meio de dezenas de entrevistas com ex-pugilistas, técnicos, amigos, inimigos, familiares e o próprio Ali, Remnick traçou um quadro irrepreensível do ambiente do boxe norte-americano entre o fim da década de 50 e o começo dos anos 60, em que pontificavam os pesados Floyd Patterson e Sonny Liston, ambos derrotados por Ali. Patterson foi o adversário seguinte à revanche contra Liston. E abandonou no 12.º assalto.
O filme O Rei do Mundo, do diretor John Sacret Young, com Terrence Howard, sem atores mais conhecidos no Brasil, tem o tom documental do livro mas acaba antes, logo depois da conquista do título, em 64. Mostra como Ali e o líder negro Malcolm X, assassinado em 65 em Nova York, se conheceram. E como Ali, convertendo-se ao Islã, acabou se envolvendo com o movimento negro nos Estados Unidos.
Remnick reconstrói a vida do lutador, desde o nascimento em Louisville, no Kentucky, às primeiras academias de boxe, a medalha de ouro na Olimpíada de Roma/60 e a conquista do mundo com o profissionalismo.
Ali só não foi o exemplo perfeito que os muçulmanos negros gostariam por causa de suas infidelidades conjugais, independentemente do credo da mulher –Ali casou-se cinco vezes e tem nove filhos.
Falador e fanfarrão, Ali transformou-se rapidamente em um assunto interessante para os jornalistas. E passou a carreira desafiando os colunistas de boxe que o seguiam. Nunca perdoou os que duvidavam de suas chances contra Liston. Como o lendário Jimmy Cannon, do New York Post, amigo de Joe DiMaggio e admirado por Ernest Hemingway, que escreveu: "De certo modo, Clay é uma aberração. Um peso-galo que passou dos 100 quilos."
O encontro com os Beatles, depois do título, foi memorável. Depois de posar com os músicos, simulando nocauteá-los, teve um curioso diálogo com John Lennon. "Você não é tão estúpido quanto parece", disse Ali. "Não. Mas você é", retrucou Lennon. A conversa terminou com boas risadas.
Ali, 58 anos, encerrou a carreira em 1981, com 56 vitórias (37 por nocaute), e cinco derrotas. Atualmente, sofrendo de Mal de Parkinson, viaja pelo mundo participando de campanhas pela cura da doença.