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Edílson solta o verbo contra o Flamengo
Terça-feira, 20 Fevereiro de 2001, 00h50
Atualizada: Terça-feira, 20 Fevereiro de 2001, 00h54

Rio - Edílson não tem papas na língua. O Capetinha, apelido do qual, aliás, ele não gosta, surpreende pela sinceridade. O atacante se diz reprimido no futebol brasileiro, assume ser vaidoso, critica a estrutura do Flamengo e diz que voltaria normalmente a trabalhar com Wanderley Luxemburgo.

L!: O Flamengo é diferente do que você imaginava antes de chegar?

E: Você sempre espera o melhor. Eu estava no Corinthians, que é um clube estruturado, e vim para o Flamengo com esta mentalidade. Aprendi a ser organizado, principalmente na minha vida financeira. Aqui no Flamengo, estou sofrendo com isso. As coisas estão difíceis. Quem está fora imagina que o clube tem uma estrutura com tudo o que possa existir de melhor, do tamanho do nome do Flamengo. Mas eu estou vendo que não é. O clube está sem pagar, não tem um CT para o time treinar. Isso não condiz com o nome do Flamengo. Eu paguei para ver e tenho que ir até o final do meu contrato. Confio no presidente Edmundo, sei que ele está fazendo o possível.

L!: O projeto de formação de um supertime o seduziu?

E: Eu tinha uma proposta do Vasco para ganhar mais do que no Flamengo. Mas eu tinha um sonho de infância de jogar aqui. E me fizeram a promessa de formar um supertime, de montar um projeto para ser Campeão Mundial em Tóquio. Eu tinha esperança de ser parte deste projeto. O Flamengo saiu contratando um monte de jogadores de nível. A coisa aqui não foi planejada. O time foi montado dentro do campeonato com cobrança de resultados imediatos. Estava claro que, sem tempo, o time não ia ganhar nunca. O time foi desfeito por porque os salários eram altos para a folha do clube. Hoje, o Flamengo tem um time normal, igual aos outros. Não me arrependo de ter vindo. Gosto do clube, da torcida, e os rubro-negros gostam de mim. Só acho que se o Flamengo fosse mais organizado, seria o melhor clube do mundo.

L!: O Flamengo está com salários atrasados. Por que um futebol tão badalado como o brasileiro não consegue pagar aos seus jogadores?

E: Porque os clubes são muito políticos. Esse negócio de eleição a cada dois ou três anos é péssimo. Ninguém paga as dívidas. Cada presidente prefere deixar o rombo para o próximo. Até o dirigente que assume se acertar com o clube, chega a hora de ter outra eleição. Outros diretores do clube deveriam ter autoridade para exigir o impeachment no presidente quando ele não trabalhar bem.

O futebol brasileiro sempre se caracterizou pela liberdade dada aos jogadores para serem criativos. Você vê muita repressão hoje?

EDÍLSON: Demais. O futebol brasileiro reprime o jogador hoje em dia. Por isso caiu tanto. O jogador brasileiro se sente preso em campo, os treinadores limitam o talento exigindo que se jogue taticamente, sem jogadas bonitas. Eu, por exemplo, não quis ofender ninguém ao fazer uma embaixada. Acabou saindo uma briga, eu fui expulso e fiquei fora da Seleção Brasileira. Depois, fui tirar a camisa no jogo do Flamengo contra o Bangu e fui expulso. Pior seria dar um pontapé e machucar alguém.

L!: Você ficou rotulado por seu estilo?

E: Eu sou irreverente e sou reprimido por isso. Demorei a voltar à Seleção por causa desse estilo. Os caras ficam com medo do que um jogador irreverente pode fazer, têm medo de que a gente fale coisas verdadeiras, que incomodam. E geralmente a gente fala. Os dirigentes têm medo da sinceridade de alguns jogadores. Eles precisam aprender que lidar com grupos de 30 pessoas é lidar com vaidades.

L!: E você é vaidoso?

E: Muito vaidoso, em todos os sentidos. Sou diferente de muitos jogadores. Sei que a vida é curta. O que eu puder comprar, quero que seja do bom e do melhor. A melhor roupa, o melhor carro, o melhor perfume. Daqui a pouco, vou estar velho e ninguém mais vai olhar para mim.

L!: Por que os dirigentes não organizam o futebol brasileiro?

E: Porque eles não querem. Eles sabem que, se organizarem, vão passar e ter menos chances de tirar vantagem para seu time, e de ganhar dinheiro em contratação de jogadores. Assim, vão passar a montar times mais fracos.

L!: Hoje, os jogadores mudam de clube rapidamente. Alguns, trocam um clube pelo maior rival. Isso é ruim?

E: O futebol virou comércio. O jogador é mercadoria. Quando o time tá mal, o clube manda dez embora de uma vez. Mas estas transações entre rivais até que são boas. Movimentam o futebol. Mas é preciso haver identificação com a camisa. Eu joguei no Tanabi, da terceira divisão de São Paulo, e tinha identificação com o clube. No Guarani, foi a mesma coisa. E quem não lembra de Edílson no Palmeiras e no Corinthians?

L!: O que é chato na rotina do futebol?

E: Concentração e viagem são coisas que eu não acho chatas. Sempre gostei de ir para a noite, de sair, assumo isso. Mas preciso de concentração para jogar bem. Estudo o adversário, o zagueiro. O que eu detesto é entrar em campo e ter que fazer o que o técnico manda. Tenho que obedecer, se não me tiram do time. Outra coisa muito chata é preleção de treinador. É a parte mais chata do futebol.

L: E a rotina de treinos? No Flamengo, você faltou e foi criticado.

E: Isso é besteira. Não é um treino que você perde que vai deixar você mal para o jogo. É preciso acabar com esse negócio. Sou uma pessoa normal, tenho meus problemas pessoais, com filhos, esposa, tenho meus negócios e fico doente. As pessoas não vêem isso. Além disso, vir ao clube não significa treinar. Não treinar é a coisa mais fácil do mundo. É só ir ao clube, dizer que está com uma dor no pé, na cabeça e você acaba poupado.

L!: O que o levou a entrar no mundo da música?

E: É um meio de que eu gosto e conheço alguma coisa. Todo jogador precisa se preparar para quando parar de jogar. Tenho uma produtora, um estúdio de gravação, sei tocar cavaquinho, violão e estou aprendendo teclado. Conheço música, principalmente Axé Music. Mas é difícil ser famoso e ter este tipo de negócio.

L!: Por quê? Seu alto salário causa inveja, já que você veio de baixo?

E: Com certeza. Muita gente tem inveja de mim. Até algumas pessoas que andam comigo. Mas eu sei diferenciar. Na minha empresa, até quem faz contrato comigo tenta tirar vantagem, acha que qualquer problema é motivo para entrar com processo e tentar ganhar dinheiro. Só porque é a empresa do Edílson, um cara que ganha bem. Uma vez, o Raça Pura, que eu empresariava, foi fazer um show e o ônibus quebrou. Eu tenho culpa? Os meninos chegaram tarde e havia pouco público. Quiseram me processar.

Ser chamado de Capeta lhe agrada?

E: De jeito nenhum. Quem inventou isso foi um jornalista de São Paulo, Roberto Avalone. Eu jogava no Palmeiras. Evair era o Matador, Edmundo era o Animal, e eu passei a ser o Capetinha. Ele fez com boa intenção. Mas eu não gosto. Capeta faz mal aos outros. Não faço mal a ninguém.

L!: No Flamengo, você passou a bater pênaltis, coisa que não fazia em outros clubes. Você se sente um líder?

E: Nunca fui batedor, mas não me lembro de ter perdido um pênalti sequer na vida. No Flamengo estou à vontade, me sinto líder dentro e fora do campo. A torcida e os dirigentes esperavam isso de mim quando me contrataram. Com o tempo, eu ia mostrar o que posso fazer. Fiquei três meses parado antes de chegar e ninguém levou em conta. Cobravam demais, esqueciam que, nos cinco primeiros jogos, fiz cinco gols.

L!: Como é sua relação com os jogadores jovens do Flamengo?

E: Trato os garotos de uma forma tão normal, que talvez por isso eles não me peçam tantos conselhos, mesmo na situação difícil do clube. Os jovens me vêem como uma pessoa tão nova quanto eles, eu me igualo e eles. Na verdade, me dou melhor com os jovens do que com os mais velhos, pelo meu jeito alegre, brincalhão. Estou sempre sorrindo.

L!: O que é que o baiano tem?

E: Tem o espírito, a alegria, a energia. Isso vem do nosso povo. Quando você diz que é baiano, a pessoa pode nem te conhecer, mas já simpatiza só de saber que você é da Bahia. As meninas, hoje em dia, só querem negão e baiano. Se juntar as duas coisas, então, nem se fala (risos). O baiano que mais admiro é Vampeta. É talentoso e olha pela Bahia, ajuda as pessoas do interior do Estado e dá cultura a elas. Gosto do Carlinhos Brown, principalmente pelo ritmo, além do Gilberto Gil e do Jorge Amado. Leio uns dois livros por ano. Não posso esquecer do Antônio Carlos Magalhães. O ACM é rei na Bahia. É o homem que protege o Estado. Lá ele consegue tudo o que quer.

L!: E o que é que Zagallo tem?

E: Ele é um técnico diferente, super legal. Tinha tudo para ser uma mala, por ter ganhado quatro Copas do Mundo. Mas eu brinco com ele como se fosse um garoto e ele gosta. Outro dia, duas garotas na praia foram tirar foto com ele e eu gritei: "Esse velhinho ainda é querido". Ninguém fala assim com um treinador. Zagallo contagia, participa do jogo os 90 minutos. A gente vê técnicos que ficam que ficam na beira do campo com os braços cruzados, fingindo que estão anotando numa prancheta e, no final das contas, não estão anotando coisa nenhuma. De onde eles ficam, não vêem nem a chuteira do jogador. Mas Zagallo é diferente, ele participa. Na preleção, às vezes ele faz comparações do nosso time com caras que jogaram com ele há muito tempo, já até morreram. Todo mundo morre de rir. Ele fala como se o futebol fosse a coisa mais simples do mundo.

L!: Com quem você nunca trabalhou e gostaria de trabalhar um dia?

E: Com Antônio Lopes. Dizem que ele é ditador, foi delegado, mas eu sempre tive vontade de ver como ele é.

L!: Com quem você jamais trabalharia? Com o Wanderley Luxemburgo?

E: Wanderley foi o único técnico com quem tive problema e se ele aparecesse amanhã no Flamengo eu trabalharia com ele sem problema algum. Tivemos problemas por causa de nossa personalidade, mas um não tem raiva do outro. Ele me ajudou muito na minha carreira. Aliás, não tenho nenhum inimigo no futebol.

L!: Qual o melhor atacante do Brasil?

E: Não sei. Romário é o melhor dentro da área, mas não é tão bom quanto Ronaldinho Gaúcho fora dela. Eu não sou o melhor em nada. Reúno vários pontos positivos em diversos aspectos. Tenho boa velocidade, driblo bem, sou inteligente e faço gol. Isso tudo em uma só pessoa é difícil de encontrar. Mas não tem um só aspecto em que eu seja grandes coisas.

L!: Rio de Janeiro ou São Paulo?

E: Por enquanto, está empatado. O Rio tem o clima, a praia, mas em São Paulo eu também me sentia bem.

Você vai jogar até quando?

E: Até esse monte de jogador ruim que tem por aí parar também. Quando eles pararem, eu paro. Se eu pudesse, parava hoje, mas financeiramente ainda não estou bem. Quando puder parar, pego uma lancha e vou viver a vida por aí.

L!: O tricampeonato é importante para você?

E: Demais. Vou sentir a emoção de ser campeão no Rio pela primeira vez. Quero participar da História do Flamengo e marcar minha passagem aqui. Vou voltar com tudo nas finais.



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