Febre do funk e temporada de caça aos MC's esfriam com o final do verão
Quinta, 29 de março de 2001
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Baile funk no
Rio de Janeiro
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Em menos de um mês, artistas até então desconhecidos foram alçados à fama nacional e começaram a ser disputados a tapas por gravadoras e programas de televisão. Os críticos de primeira hora, que diziam que os funkeiros teriam poucos minutos de fama tiveram que voltar atrás, chocados com a dominação do carnaval baiano, onde o Axé Music foi substituído pela batida eletrônica e refrões como "Vou passar cerol na mão". Embora a febre ainda esteja forte, surgem incertezas se ela vai conseguir sobreviver fora do Rio com o final do verão. Esta é a opinião, ouvida pelo Terra, de executivos das mesmas gravadoras que anunciam lançamentos no funk.
O funk fez juz ao refrão "Tá tudo dominado" durante todo o verão de 2001: no ranking da Associação Brasileira dos Produtores de Discos, o Bonde do Tigrão, que capitaneou a invasão do ritmo em todo o Brasil, ocupa o quarto lugar na lista dos mais vendidos de janeiro e fevereiro, ganhando um Disco de Ouro (mais de 100 mil cópias vendidas). O quinto lugar também é "purpurinado": pertence à coletânea Zoeira Funk. Gravadoras independentes como a Furacão 2000, antes conhecidas apenas no Rio de Janeiro, viram suas vendas baterem recordes. E, junto com os recordes de venda destas coletâneas, personagens ligados à Furacão se transformaram em celebridades: quem (ainda) não ouviu falar da "Mãe Loura do Funk", dos problemas com a justiça de Rômulo Costa ou da polêmica em torno do MC Johnatan?
Além dos selos independentes, que trabalham há mais de duas décadas com o funk no Rio de Janeiro, foi a Sony Music uma das grandes responsáveis pela entrada do ritmo no cenário nacional. A gravadora lançou, antes das outras, a coletânea Funk Four, com músicas de Bonde do Tigrão, MC Vanessa, Mister Catra e da dupla Suel e Amaro. A coletânea, que serviu como teste de mercado, deu espaço para o lançamento do álbum solo do Bonde do Tigrão, que vendeu até o final de março mais de 210 mil cópias (a coletânea vendeu perto de 50 mil). As vendas dos selos independentes também não ficaram atrás: em duas semanas, o Castelo das Pedras, um dos principais bailes cariocas, vendeu mais de 100 mil discos, enquanto a Furacão 2000 vendeu perto de 200 mil cópias de seu último lançamento, Tornado Muito Nervoso 2.
Explosão x direitos autorais - Com a explosão do ritmo em todo o País, as demais gravadoras correram atrás do prejuízo e iniciaram uma verdadeira temporada de caça aos MC's e aos cantores de funk. A busca, no entanto, não foi fácil: em um mercado pouco acostumado com direitos autorais, muitas músicas tiveram que ser filtradas porque eram versões não autorizadas de sucessos de outros artistas nacionais. O Rap do Sufocador, que agita os bailes cariocas, é uma paródia da música Xi Bom Bombom, do grupo As Meninas. Outro grande hit do funk é a música I Feel Vinho, que, para dizer o mínimo, extremamente parecida com o I Feel Good, eternizada na voz de James Brown.
A temporada de caça, embora intensa, foi marcada por dúvidas, que seguem até hoje. "Estamos sendo muito parcimoniosos com investimentos no funk", diz Wilson Souto, presidente da Continental, que contratou há menos de um mês o Copacabana Beat. Outra gravadora que entrou com cuidado no mundo do funk é a Warner. O músico Mister Catra, autor de "O Adestrador" - que chama as garotas de "cachorras" -, foi contratado em meados de fevereiro pela gravadora após muito estudo. "Ele tem um diferencial: não toca só o funk carioca. Ele toca rap, soul music e isso pesou na hora da escolha, porque ele é um artista mais completo, não é só modismo", diz Marcos Simão, gerente de produto da Warner. A gravadora Atração, por exemplo, já tem agendado o lançamento de duas coletâneas para "testar o mercado", antes de fazer investimentos mais sérios no ritmo que dominou o verão, mas pode ser o grande mico do inverno.
"Este esfriamento do mercado é normal", afirma o supervisor artístico da Sony, Ronaldo Monteiro. "O funk foi uma explosão e é natural que agora as gravadoras analisem bem o material que têm em mãos para não queimar o produto". A opinião de Ronaldo é compartilhada por outros executivos, que afirmam que o funk tem condições de permanecer na moda, desde que seja bem trabalhado. "Tudo depende agora da vontade das grandes gravadoras em colocar o funk nas rádios", afirmou um especialista ouvido por Terra. Uma das tendências nesta área é justamente o Funk Mellody, diferente do batidão que dominou o carnaval baiano e tornou o ritmo conhecido. Por causa de sua batida mais suave e de suas letras mais rebuscadas, muitos apostam que esta versão do funk tem grande chance de conquistar o segmento romântico.
Embora a temperatura da febre possa estar diminuindo, os artistas que tomaram conta dos talk-shows e das casas noturnas brasileiras não sairão sem nada desta explosão. Alguns, como aconteceu com Claudinho e Buchecha na onda funk da década de 90, irão continuar famosos e, aos poucos, criar um estilo próprio. E, de qualquer forma, a febre funk deu, a quem fazia em média cinco shows por noite no Rio de Janeiro cobrando perto de R$ 500, a oportunidade de viajar o país inteiro e a possibilidade de quadruplicar o cachê cobrado por apresentação. Resta saber quem conseguirá sobreviver à maré baixa e continuar dominando os ouvidos nacionais.
Théo Araújo
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