Dois Córregos: uma valsa para Reichenbach
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Muito aplaudido no
27º
Festival de Gramado e no Festival
Internacional de Locarno, na Suíça, onde foi visto
por cerca de três mil pessoas, Dois Córregos -
Verdades Submersas no Tempo é o 12º longa de Carlos Reichenbach.
Tão romântico e revolucionário como uma valsa de Chopin - uma delas marca um encontro extremamente significativo no ínico do filme
- Dois Córregos marca a volta ao longa metragem de Reichenbach depois de uma ausência de cinco anos, desde o drama Alma Corsária, de 1994. Cineasta dedicado à realização de obras em que as conotações políticas e eróticas são dominantes, Carlão, aos 54 anos, realiza uma espécie de ajuste de contas com os temas que vem tratando ao longo de sua filmografia, da repressão política às contravenções morais. Para tanto, montou um melodrama, um drama com música, em que o som da gaita abolerada de Mario Gennari Filho contrasta com temas inspirados em John Lennon e Joe Cocker, as composições eruditas interpretadas por Luciana Brasil e a trilha composta por Ivan Lins, com orquestração do maestro Nelson Ayres.
 Ricelli vive um homem retraído de passado obscuro, despertando o desejo de duas adolescentes |
- Com este filme também pago uma dívida sentimental ao diretor Valerio Zurlini - diz Reichenbach, referindo-se ao cineasta italiano que viveu entre 1926 e 1982 e realizou obras inspiradoras como Verão Violento e A Moça com a Valise, além de Dois Destinos, sua obra-prima.
O clima nostálgico dos filmes de Zurlini, seus 
pequenos personagens defrontando-se com dramas imensos, sobrevive em Dois Córregos. O drama se cria em torno de pessoas aparentemente sem importância. Mas Carlão sabe que ninguém é realmente uma pessoa comum, quer sejam as professoras de Anjos do Arrabalde, ou os suburbanos de Filme Demência. É das lembranças dos anos 60 de Ana Paula (Vanessa Goulart e Beth Goulart, na idade adulta), uma garota que passa as férias no sítio de sua família em Dois Córregos, que se constrói a trama.
Meticuloso, Carlão faz um desenho sinuoso de suas criaturas, assim como da paisagem aquática que mostra a sequência de deslumbrantes planos aéreos na abertura do filme.
O tio de Ana Paula, Hermes (Carlos Alberto Ricelli), tem um passado misterioso e se esconde no sítio, despertando o interesse de uma mulher carente, Teresa (Ingra Liberato) e duas adolescentes em férias. Uma delas é pianista Lydia (Luciana Brasil), filha de um general famoso por sua ferocidade contra rebeldes de qualquer espécie. É através da música que se estabelece o contato entre essas duas pesssoas tão diversas e antagônicas, cuja afeição pelo imaterial da música resultará em laço comum.
A abertura das diversas portas para que a tragédia se
realize é orientada por personagens
que desconhecem a profundidade de seus atos. Dois Córregos, feito à
sombra de Zurlini, repassa
outros signos da preferência de Carlão, da estética dos filmes
japoneses - as crianças,
especialmente, e aos clássicos poloneses - a montagem associada à
música. O conjunto gera um
filme harmonioso, que, por 112 minutos, afasta o cinema brasileiro
dos tortuosos caminhos
sinalizados por O Viajante, Tiradentes, A Hora Mágica, São Jerônimo
e outros tormentos
produzidos neste fim de milênio.
(Tuio Becker/Agência RBS)
Leia coluna de Carlos Reichenbach sobre a recepção de Dois Córregos em Locarno. O filme foi escolhido para abrir a mostra Première, no Festival do Rio, em setembro. Em seguida, a produção participa do Festival de Toronto, Canadá.
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