Sydney - Jorge Ferreira da Rocha faz sua estréia em Olimpíadas oito dias após completar 55 anos. Rocha é o atleta brasileiro mais velho a fazer sua primeira participação nos jogos.
Ele, que compete na madrugada desta terça-feira nas provas de adestramento da Olimpíada de Sydney, nasceu para quebrar tabus. De família humilde, teve de superar uma doença na infância que o obrigou a crescer em centros de tratamento de câncer infantil. Superada a doença, trabalhou e estudou até se formar em medicina, depois se tornou um dos maiores empresários do ramo. Não satisfeito, resolveu aprender a montar em uma idade na qual muitos cavaleiros começam a pensar em encerrar a carreira. Na Olimpíada de Sydney é o atleta mais velho e ao mesmo tempo estreante em uma modalidade do hipismo na qual o Brasil não tinha representante há 28 anos.
"Passei minha infância em hospitais", conta Jorge, que não gosta de falar do assunto. Segundo ele, até os 12 anos, seu corpo possuía vários gânglios e nenhum médico descobria a origem do problema. "Pensaram que era alguma espécie de câncer, por isso passei muitos anos em centros de oncologia." O problema, segundo ele, sumiu tão misteriosamente quanto apareceu, quando ele tinha 12 anos. "Acho que foi por isso que resolvi ser médico." Antes disso, Jorge tentou ser atleta. Carioca de nascimento, chegou a jogar nas categorias de base do Fluminense. "Mas como eu era filho único, meus pais acharam melhor eu estudar e eu acabei abandonando o futebol", conta. O sonho adolescente de ser atleta só voltou a ser realidade quando Jorge já havia se estabelecido como empresário da área de atendimento médico, aos 47 anos.
Foi em 1993 que Jorge resolveu realizar o sonho de aprender a montar. De cavaleiros experientes, recebeu o conselho para desistir, porque o hipismo era um esporte para ser praticado a partir da infância. Determinado, Jorge não deu ouvidos e continuou. Logo se interessou pelo adestramento, que considera "a ginástica artística do hipismo", por causa da precisão exigida nos movimentos do cavalo. Comprou uma boa montaria e passou a se dedicar aos treinos.
Em 1998, com o cavalo Quixote Lanciano, Jorge sagrou-se campeão brasileiro, sul-americano e conquistou vaga para o Pan-Americano de Winnipeg. Um acidente, meses antes da competição, o impediu de participar da competição. "Uma caixa de som estourou em uma competição e o cavalo disparou; fui parar nas arquibancadas." O acidente resultou em três costelas quebradas, o rompimento da artéria lombar e uma parada cardíaca. "Voltei a montar uma semana antes do Pan, mas achei que não dava para competir e optei por trabalhar na seletiva da Olimpíada." A disputa pela vaga olímpica foi acirrada. No Grupo 1, em que estava o Brasil, também competiam Argentina, Uruguai, Chile e África do Sul.
Somente um conjunto iria para a Olimpíada. Jorge conseguiu se classificar e, depois de um período de treinos na Europa, viajou para Sydney. Mas ainda havia mais um tabu para superar. Faltando quatro dias para a competição, Jorge sentiu uma lombalgia e sua participação nos Jogos ficou ameaçada. Somente depois de um tratamento intensivo, o cavaleiro pôde garantir sua presença na pista.
As aspirações do cavaleiro em Sydney são modestas. "Acho que participar já é uma grande vitória", afirma. A principal preocupação do brasileiro, além do problema nas costas, é o cavalo Quixote Lanciano. "Ele é um cavalo ótimo, mas um pouco tímido e, sinceramente, não sei se vai ficar incomodado com o público. Tudo pode acontecer."