São Paulo - O cobrador do pedágio na Rodovia Castelo Branco, próximo de Itapevi (SP), olhou firme para aquele baixinho que estava no volante do Palio, segunda-feira à tarde. Arregalou os olhos e disse: "Aí, arrebentou com o Palmeiras, heim!" Adhemar, enfim, havia sido reconhecido por um cidadão comum. Há pelo menos dez anos esse atacante do São Caetano vem buscando o reconhecimento no futebol. Conseguiu com os gols. Adhemar foi expulso e será o desfalque da equipe na próxima partida.
"Agora tudo é diferente. Passo ali naquele pedágio há oito anos, sempre é o mesmo cara que está cobrando e ele nunca falou comigo. Na segunda-feira, quando parei o carro, pensei assim: hoje essa cara vai me reconhecer. Quando falou que eu arrebentei com o Palmeiras, foi uma satisfação."
Adhemar queria mesmo ser um jogador conhecido, famoso. Nesses dias de sucesso do seu time, a fama se espalhou pelo País. "Todos querem conversar comigo. Estão aprontando cada uma! Me levaram até para gravar com a Feiticeira. Minha mulher ficou louca da vida, queria separar. O que posso fazer? A corintianada está feliz comigo, acho que hoje sou o maior ídolo deles."
O problema do atacante é que está com 28 anos, completa 29 em abril de 2001.
Pode ter sido um reconhecimento tardio. Adhemar não concorda e tem um bom argumento. "E se eu arrebentasse com 20 anos e não tivesse cabeça para administrar a fama? Tenho certeza que Deus preparou a hora certa." Aliás, `Deus é fiel' está escrito na camiseta que Adhemar usa por baixo da camisa do seu time e mostra para comemorar seus gols. No punho esquerdo, uma pulseira de pano com a inscrição: Jesus. "Tinha 22 anos e me converti. Não foi por uma desgraça que me aconteceu ou coisa ruim. Cansei da alegria vazia. Voltava das noitadas, boates, barzinhos, entrava no quarto e na hora de dormir pensava assim: mais uma noite, cara! E você não fez nada, não é nada. Aí apareceu um pregador, o Ita, que falava que eu precisava de Jesus.
Eu dizia: sai pra lá, não vem com essa conversa. Um dia descobri que aquilo era importante."
Adhemar lembra que ele e Paulão, ex-zagueiro do São Paulo, foram os dois jogadores do time amador de Porto Feliz (SP) que ouviram a pregação de Ita.
"Coincidência ou não, foram os dois que viraram jogadores profissionais. O resto não vingou."
Grande leitor - `Deus é fiel', mas Adhemar não é daqueles religiosos fanáticos, que vivem querendo novos cordeiros para o rebanho. É leitor contumaz da Bíblia e seguidor dos testemunhos. "Gosto dessa leitura. Vivo lendo testemunhos de ex-atletas, ex-viciados.
Na reflexão a gente sempre aprende. Veja o Jesse Owens, que exemplo de vida. O Hitler passou quatro anos treinando um cara para vencer o homem. O Owens foi lá e venceu a corrida na casa deles, desmoralizou Hitler. Essa é uma boa história."
O prazer de ler, "fuçar na internet", como ele mesmo diz, é um jeito que encontrou para fugir da mesmice. Por isso não se conforma com a inércia dos campanheiros. "Jogador de futebol não sabe aproveitar o tempo. Na concentração, vai deitar às 9h da noite. Dorme até as 9h da manhã. Depois do almoço, ainda dá uma dormidinha. Passa o tempo dormindo. Não se aprimora em nada."
Essa mania de vasculhar o mundo Adhemar carrega desde garoto. Foi office boy de Rádio Notícias de Tatuí, sua cidade natal. Trabalhou um ano. "Sei como é o outro lado da notícia", brinca.
Aprendendo, sempre - Foi com o desejo de aprender sempre que arriscou o curso superior lá mesmo na sua cidade. "Estudei na Asseta (Associação de Ensino de Tatuí), fiz um semestre só. Advinha de que curso? Educação Artística. Tinha três opções:
História, Geografia e Educação Artística. História não ia dar porque a História não pára nunca. Ia estudar sempre, explicar por que a Rússia se dividiu. Geografia, também não. Estudar nome de morro não dá pé. Fui fazer Educação Artística mas não sabia nada de desenho. Tranquei a matrícula em 1993."
Adhemar queria era jogar bola. Perambulou por vários times do Interior paulista. Levou calote no clube de Ponta Grossa (PR) e há quatro anos está no São Caetano. Constituiu família, tem dois filhos. O mais novo, Kaynan, tem três anos e deu uma lição de vida ao pai. "Por causa dele virei um especialista em oftalmologia. O menino nasceu com catarata, 16 graus numa vista. Quando estava nos braços da enfermeira, tinha oito meses, indo para uma cirurgia, me deu um tchauzinho. Mal sabia o que iria enfrentar. Pensei:
vou estudar esse assunto. Encontrei um especialista em Campinas que, com uma lente americana, deu jeito no caso. Aprendi muito."
O artilheiro aprendeu tanto com o menino que hoje é um apaixonado por crianças. Quer construir um orfanato, inspirado no Gol de Letra de Raí e Leonardo. "Na verdade eu queria era adotar umas crianças, só que a burocracia no Brasil é tão grande que até desisti. Bem que tentei."
Adhemar Ferreira Camargo, 28 anos, tem 19 gols na Copa João Havelange. Sonha com a artilharia ainda, apesar de estar impedido de jogar sábado com o Palmeiras. "Estava ali, bem pertinho dos artilheiros (Dill e Magno Alves, com 20 cada um). No jogo contra o Palmeiras, fui expulso poderia ter marcado mais. Por isso é que chorei, muito."
Marcaria os gols e ainda ampliaria o estrago no seu time de coração. No seu registro de atleta amador no Flamengo de Cerquílio (SP) fez questão de ser fotografado com a camisa do Palmeiras, foi em 13 de outubro de 1989.