Os personagens criados por Roberto Gómez Bolaños não se limitaram à tela da TV e estão inseridos nos hábitos e costumes do México... E muitas outras partes do mundo!
Mais de um milhão de seguidores no Twitter, recordes de audiência e favorito entre figuras internacionais como Diego Armando Maradona, referência das culturas mexicana e latino-americana, além de um grande número de prêmios, homenagens e reconhecimentos. Mas por que Chaves é tão popular?
Chaves é um fenômeno que tem um impacto, que tem gerado ícones e personagens que as pessoas se identificam. “Mas, durante muito tempo foi criticado pelos intelectuais, por ser considerado alienante", diz o Dr. Roberto Bermudez, um sociólogo da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Mas para o cidadão médio, para o espectador de cada dia, Chaves e seus personagens se tornaram parte do imaginário coletivo em uma expressão da vida cotidiana, em um "foi sem querer querendo" ou um "não contavam com a minha astúcia".
"Chaves é um estudo sociológico. Parte-se da criança abandonada, que somos todos os mexicanos. Não por nada Pedro Páramo é a nossa maior obra de literatura. De lá vamos para a luta de classes, o mundo das aparências. Personagens cativantes, mas ao mesmo tempo ásperos, como Seu Madruga e Chiquinha. Todo o imaginário coletivo nacional é de alguma forma desenhada nas imediações de Chaves”, acredita Álvaro Cueva, um dos críticos de televisão mais reconhecidos no México.
Para que um personagem transcenda, precisa sair de seus próprios limites e, no caso de Chaves, segundo a opinião de Roberto Bermudez: "seus personagens reúnem várias características: 1. o riso, principalmente, em um humor negro, que é uma grande contribuição; 2. este elemento de identidade e reconhecimento, até mesmo no exterior; 3. que, sendo um humor saudável, gere uma série de valores em retorno, como solidariedade, amizade, amor".
Bermudez também reconhece algo muito relevante para o criador de Chapolin Colorado: a inesgotável capacidade mental.
"Essa capacidade de, qualquer coisa, obter um resultado engraçado, através de uma gestão de estereótipos de cenários comuns que acontecem conosco todos os dias, mas não nos fazem rir. E de repente vemos e nos identificamos e rimos de nós mesmos".
Na verdade, os personagens que habitam o bairro de Chaves, são autênticos porque são um retrato das ideias e sentimentos do povo da América Latina.
"Mas, os valores que promovem os personagens de Chaves ainda não foram compreendidos em sua real magnitude. Têm sido de alguma maneira maltratados e negligenciados por especialistas do nosso país, porque são populares. E o México joga muito com a moral e o universo das aparências e então ele parece ser bom para trabalhar com esses sistemas", diz Álvaro Cueva.
Talvez, as criações de Chaves tenham resistido ao teste do tempo pela constância de um homem que, em seu incansável trabalho para entreter seu público, acabou retratando-o com firmeza.
Quarenta anos se passaram desde a chegada de Chaves e a trama ainda está em vigor. Além de ser uma indicação do quão cativante são suas criações, é um sinal de que Gómez Bolaños acertou ao tentar exemplificar a parte mais profunda do modo de ser e da vida dos latino-americanos em geral e mexicanos, em particular.
O sociólogo Roberto Bermudez, da UNAM, diz que a popularidade de Chaves ainda cresce, porque as pessoas se identificam com esses personagens.
Sua importância também se mantém e se reflete além das fronteiras da América, mesmo nas línguas que o programa foi traduzido. Por exemplo, o original Chavo del 8 é chamado The Kid de 8 em inglês e simplesmente Chaves em português. Em alemão torna-se Der Junge aus der 812, em holandês é De Jonge van Nummer 8, em italiano Cecco della Botte e em francês Le Gosse du Huit.
”O humor de Chaves é uma familiar, saudável e portanto, eficaz", diz Bermudez.
Com seu constante trabalho, fruto de uma mistura explosiva de carisma e inteligência, Roberto Gómez Bolaños construiu sua lenda. Ele é um gênio criativo a serviço do povo e um homem que colocou os valores mexicanos à frente, levantou a mão e disse simplesmente: "sigam-me os bons".
Fiel à suas convicções sociais, Roberto Gómez Bolaños, "Chespirito", criador de 'Chaves', participou em 10 de setembro de 2011 do Terceiro Encontro Mundial de Valores e Cultura da Legalidade, realizado na cidade mexicana de Monterrey. Lá, deixou pública sua preocupação com a postura atual de alguns setores da sociedade em relação à liberdade de expressão.
Com a companhia constante de sua mulher, a atriz Florinda Meza, o autor de personagens como Chaveco falou da "muito famosa, aplaudida e manipulada" liberdade de expressão, que na teoria é bela, mas na prática se confunde com algo negativo.
O Conselho para a Promoção de Valores e Cultura da Legalidade convidou 'Chaves' para comandar uma conferência chamada de "Sigam-me os bons", em uma espécie de homenagem a uma das frases mais conhecidas de seus personagens.
Durante sua apresentação, Bolaños afirmou que, do seu ponto de vista, conteúdos carentes de honestidade e sentido de humor são abundantes atualmente nos meios de comunicação, já que os criadores teriam definido que a liberdade de expressão tem limites.
O criador de 'Chapolin Colorado' também criticou quem apela à liberdade de expressão para justificar a exibição de "vulgaridades, desvios, crimes, perversões". Além disso, ele questionou o tipo de liberdade que "que dá ao jornalista o privilégio de declarar culpado o infeliz que não passa de suspeito antes da audiência".
Com o senso de humor característico, ele também desaprovou políticos que se escondem atrás da liberdade de expressão para emitir ataques aos adversários, assim como quem grava conversas alheias para depois exibi-las com orgulho.
Com o passar dos anos, "Chespirito" se tornou um espelho da sociedade latino-americana e, devido à profundidade com a qual os personagens representam esta cultura, deixou um legado artístico que toca em valores icônicos para o próprio público.
Para Bolaños, é difícil acreditar que os consumidores de conteúdos midiáticos não se tornem assassinos ou traficantes.
"Em televisão, rádio, meios impressos e internet prolifera a ideia de que se uma pessoa nos incomoda, basta eliminá-la", lamentou ele, que acredita que a arte deve sempre buscar a beleza, e não precisa de uma cota de sangue ou pornografia.
"É horrível ver o belo e positivo ser confundido com o mal e o negativo", disse ele, defensor do humor branco.
Neste sentido, o criador condenou que a crítica especializada "justifique" conteúdos que na verdade são pornográficos. "Dois pretextos são usados: a expressão artística e o retrato da realidade", disse.
Hoje em dia, os personagens de Gómez Bolaños continuam vigentes nos meios de comunicação da América Latina com a mesma força e inocência de mais de 30 anos atrás.