Aline Duvoisin
Direto de Buenos Aires
Assim como Bolívia e Cuba, a Argentina também atrai brasileiros atrás do sonho de se tornarem médicos. Se o destino é diferente, os motivos são parecidos: a forte concorrência nas universidades públicas do Brasil e o preço das particulares lideram a lista. Mas há, pelo menos, um fator especial além do glamour de se viver em uma cidade como Buenos Aires: o nível da educação local. "É melhor que no Brasil", garante Bruno Sargo, 27 anos.
Sem dinheiro para pagar pelos estudos em uma instituição particular brasileira e sem ter conseguido passar no vestibular de uma pública, Sargo buscou alternativas em outros países. Pensou na Bolívia, mas não se interessou pelas faculdades locais. Acabou, então, conhecendo a Universidad de Buenos Aires (UBA), inaugurada em 1821. Natural de Santos, ele já vive desde 2008 na capital argentina. "No Brasil estava complicado. Tenho outros dois irmãos e meus pais não tinham condições de pagar uma particular".
Sargo não pensa no Revalida: "tenho tanto tempo que muita coisa vai mudar"
Crédito: Aline Duvoisin, Especial para o Terra
Para ele, que considera mais fácil entrar nas instituições argentinas do que nas brasileiras, outro fator que pesou foi a possibilidade de se trabalhar durante o curso. "No Brasil, você precisa ir à faculdade pela manhã e à tarde. É impossível trabalhar e estudar".
Na UBA, de acordo com Sargo, as aulas práticas são, basicamente, um "plantão de dúvidas". É em casa que se estuda de fato. "Neste ano, por exemplo, vou lá três dias por semana", completa, relatando que consegue trabalhar oito horas por dia, durante as madrugadas, como operador telefônico em uma central latino-americana de cartão de crédito.
O jovem diz que a escolha que fez foi exclusivamente em cima da universidade. Atualmente no quarto ano do curso, ele afirma que não trocaria a UBA, que é pública, por uma faculdade privada. "Se você estuda em uma particular, acaba sendo obrigado a ficar na Argentina, pois a carga horária é bem inferior a do Brasil", explica, referindo-se à exigência mínima de 7,2 mil horas de curso para revalidar o diploma obtido no exterior.
Aluno da Fundación H. A. Barceló, Diego Rodrigues Pinto, 26 anos, confirma a diferença de carga horária, mas garante que isso não é sinônimo de facilidade. Os professores, segundo ele, apenas pincelam o tema em aula e depois pedem que os alunos o aprofundem em casa para, na aula seguinte, cobrar tudo. "Eles não dão tudo 'mastigadinho'. Fazem-te buscar".
Natural de Rio Grande (RS), ele prestou vestibular cinco vezes em três universidades federais diferentes. Pressionado psicologicamente pelos pais, acabou cursando - e concluindo - administração em uma instituição privada. Mas não era o que queria.Através de um amigo, conseguiu o contato de um brasileiro que estudava em Buenos Aires. Era o empurrão que faltava. "Ele comentou que gastava pouquíssimo. Falei com meus pais, mas eles ficaram em dúvida porque queriam que eu passasse no
Brasil". Pinto, então, convenceu os pais, largou tudo que estava fazendo e começou a juntar dinheiro para se mudar.
Burocracia
Para estudar na Argentina é preciso, primeiramente, obter o carimbo do Itamaraty nos diplomas de conclusão dos ensinos fundamental e médio. Depois, é necessário traduzi-los ao espanhol antes de levá-los ao Ministério de Educação argentino para finalizar o processo de legalização. Feito isso, a etapa seguinte é realizar o Ciclo Básico Comum (CBC) da UBA, que dura um ano. Somente depois de ser aprovado em seis matérias básicas é que se começa, de fato, a estudar disciplinas do curso de medicina.
Segundo Bruno Sargo, o nível de exigência é parecido com o do vestibular brasileiro. "A diferença é que, na UBA, se tem mil alunos fazendo o CBC e os mil aprovam, todos vão entrar na faculdade. Não tem essa disputa de cem vagas para um milhão de pessoas", explica. As provas também não são feitas todas de uma vez, mas pouco a pouco ao longo do ano.
Língua estrangeira
Não foi necessário comprovar o domínio do espanhol para ingressar na universidade. Porém, cada uma acaba encontrando um jeito de cobrar algum conhecimento dos alunos. No caso da UBA, de acordo com Sargo, estuda-se mudar isso a partir do próximo ano. "Isso devido à demanda de brasileiros que está vindo para a Argentina", conta.
Ele, que não estudou espanhol antes da viagem, garante não ter sentido dificuldade. "É bem parecido com o português. Com um dicionário do lado e o dia a dia na rua, na faculdade e no trabalho se acaba aprendendo", acredita o brasileiro, que passou a contar com uma ajuda extra quando começou a namorar uma argentina. "Meus amigos eram todos argentinos. Conhecia um ou dois brasileiros", justifica.
A revalidação do diploma
Sargo ainda não sabe o que fará depois de formado. Por isso, não buscou muitas informações sobre o processo de revalidação do diploma no Brasil. Mas já soube através de uma colega que precisará comprovar carga horária mínima e realizar uma prova. "Na verdade, não corri atrás disso porque ainda tenho tanto tempo aqui que muita coisa vai mudar até eu terminar a faculdade".
E, de fato, o número de horas não será problema. Apesar de ter menos aulas por semana, a UBA é a única que tem a carga horária mínima aceita pelo Brasil. Isso ocorre porque o curso é mais longo do que o das outras universidades. A prova, por outro lado, assusta um pouco. "Dizem que é bem difícil".
Ainda assim, ele não tem dúvidas sobre uma coisa: desistir não faz parte dos planos. "Não, nunca. Eu gosto muito!".
Professores apenas pincelam o conteúdo em aula, diz Pinto
Crédito: Aline Duvoisin, Especial para o Terra