Ítalo Milhomem
Direto de Santa Cruz de la Sierra
Rodney largou uma empresa de arquitetura para estudar medicina na Bolívia e hoje sustenta a família com o restaurante Sabor Goiano
Crédito: Ítalo Milhomem, Especial para o Terra
Com quase 2 milhões de habitantes, Santa Cruz de la Sierra fica em uma das regiões mais ricas da Bolívia. Suas plantações de soja e o gás natural geram cerca de 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, e a comunidade local arrecada 35% dos impostos federais. É nesse cenário econômico que vivem aproximadamente 15 mil brasileiros, entre estudantes e familiares que se mudam exclusivamente por conta dos universitários, movimentando, anualmente, um valor estimado pela secretaria de finanças da cidade em R$ 18 milhões.
Segundo o secretário responsável pela pasta, Jose Luis Parada Rivero, cada brasileiro gasta, em média, cerca de US$ 500 por mês para se manter, o que representa, convertidos em reais, algo em torno de R$ 1,5 milhão mensais injetados na economia local - principalmente, destaca, com a prestação de serviços como aluguel, táxis, transporte coletivo, alimentação, mensalidade das faculdades e lazer.
Mas não são apenas os bolivianos que lucram. De estudantes a empresários, brasileiros dão jeitinho ganhar dinheiro por lá. Além disso, o Brasil também passou a receber mais turistas destas regiões. "Muitos hoje visitam os amigos brasileiros, fazem cursos de especialização no Brasil quando terminam a graduação. Essa relação é boa quando é recíproca e todos saem ganhando", pontua Rivero, ao destacar que o clima parecido ao encontrado em algumas regiões do Brasil e o câmbio favorável são atrativos para esse intercâmbio.
Ao redor das universidades de medicina de Santa Cruz, por exemplo, vários condomínios residenciais estão ocupados por brasileiros. Empreendimentos "verde-amarelos" também brotam na cidade, de igrejas evangélicas a restaurantes. Próximo à Udabol, prédios estão em construção por conta do crescente número de estudantes do País na região.
Gostinho de Brasil
O nome do restaurante já indica a procedência: Sabor Goiano. Durante o dia, ali são servidas refeições tradicionalmente brasileiras, como frango caipira, arroz branco, maionese, bisteca e mandioca frita. Sempre ao som de músicas sertanejas da atualidade ou do rock do Ultraje a Rigor. À noite, contudo, as mesas cedem espaço a um sofá, e o local volta a ser a sala de TV da família de Rodney Rosa Monteiro, 35 anos.
Rodney mudou de ramo radicalmente. Era gerente em uma empresa de arquitetura e decidiu trocar a estabilidade que tinha há 12 anos para fazer o curso de medicina na Udabol. "O marido da minha cunhada viu que os preços eram muito baixos em comparação ao Brasil e contou para esposa, biomédica por formação, que se animou. Eu queria fazer engenharia civil e vim junto. Acabei na medicina também e me encontrei na profissão", conta.
Segundo Rivero, cada brasileiro gasta US$ 500 por mês na Bolívia
Crédito: Ítalo Milhomem, Especial para o Terra
De lá para cá, 10 parentes de Rodney foram de Goiás para Santa Cruz de la Sierra estudar e trabalhar. "Depois veio minha outra cunhada, que não gostou de medicina e está fazendo engenharia petroquímica, o namorado dela, meus filhos, sobrinhos, meu sogro, minha sogra, que é funcionária pública aposentada e hoje estuda psicologia. Quando começou a chegar mais gente, pensamos em um jeito de ganhar dinheiro para nos mantermos. Abrimos o restaurante e o negócio foi engrenando. Hoje conseguimos viver somente com o dinheiro das refeições", afirma o estudante, que se divide entre as aulas de medicina e as compras para o restaurante.
Vendedora de pamonha, Luzia se mudou para acompanhar o filho
Crédito: Ítalo Milhomem, Especial para o Terra
Olha a pamonha!
Logo ao sair do campus da Ucebol já se ouve: "pamonha, pamonha, pamonha". O alimento de milho, comum no centro-oeste brasileiro, já chegou a Santa Cruz. Custam cinco bolivianos cada. Dona Luzia Luisa Pereira, 60 anos, que trocou Campo Grande (MS) pela cidade boliviana para ficar perto do filho - que hoje mora na vizinha San Rafael com pai -, é uma das vendedoras do produto. "Vim conhecer, gostei e acabei ficando", comenta, antes de pedir que sua foto não seja disponibilizada na televisão, que "não é coisa de Deus".
Não muito distante de onde ela estava, Nino Silva Lopes, 58 anos, outro campograndense, mata a saudade da culinária brasileira com pastel e caldo de cana, a garapa, tradicional nas feiras de rua no Brasil. O tímido vendedor, que leva ao fundo da loja uma bandeira do Brasil, conta estar há três anos na cidade por causa da filha, que faz residência médica - lá chamada de internato, com duração de três meses e que depois tem igual período de prestação de serviços comunitários em hospitais públicos da cidades do interior boliviano. "Não há muita diferença entre Campo Grande e aqui. Vim mais por causa da minha filha, que está se formando. Quando terminar, volto para o Brasil com ela e minha esposa", afirma.
Custos
Na Ucebol de Santa Cruz de la Sierra existem cerca de 4,5 mil alunos matriculados em 13 cursos de graduação. Destes, pelo menos 4 mil são brasileiros que estudam medicina. O custo para o estudante no primeiro semestre é de 5,3 mil pesos bolivianos, o que aumenta ao longo do curso - os dois últimos semestres custam, respectivamente, 8,3 mil e 7,7 mil, e a residência, outros 3,5 mil por três meses. Ao todo, são gastos aproximadamente 73,1 mil pesos bolivianos, algo em torno de R$ 24 mil.
Entre maio e junho, quando o Terra esteve em Santa Cruz de la Sierra, cada real equivalia a três pesos bolivianos, enquanto o dólar chegava a valer quase sete pesos.