Cartola - Agência de Conteúdo
Especial para o Terra
Situada no país com o menor índice de mortalidade infantil das Américas, a Escola Latino-Americana de Medicina (Elam) de Cuba já formou mais de 8,5 mil médicos de 54 países diferentes desde sua fundação, em 1998. Criada após o desastre provocado pelos furacões George e Mitch nos países do Caribe e América Central, a instituição tinha o objetivo de formar gratuitamente jovens originários destes países para que voltassem às suas comunidades. Focado na saúde preventiva, o ensino da medicina no país virou referência também pelo seu aspecto humanista.
Entre os estrangeiros graduados pela Elam, um dos mais recentes é o brasileiro Marcéu Flores, 28 anos, formado em 2012. Ele conseguiu uma bolsa do governo cubano através da indicação da Associação Cultural José Martí, no Rio Grande do Sul, composta por simpatizantes do governo cubano. Indicado, o estudante participou de uma seleção com prova escrita e entrevista com um psicólogo enviado pelo governo cubano, na embaixada do país em Brasília. Ao ser aprovado, ele passou a receber uma bolsa de estudos para cursar a Elam pelo governo cubano, que não cobriu apenas os custos das passagens aéreas. "Ao chegar a Cuba, passamos por um curso com aulas de física, química, espanhol e outras disciplinas, para nivelar os estudantes, já que muitos deles não tiveram um ensino básico de qualidade", relata.
Ao longo dos seis anos de estudo, Marcéu passou por diferentes experiências. Nos dois primeiros anos, por exemplo, conviveu com estudantes de diversas nacionalidades, como colombianos e costa-riquenhos, tanto na sala de aula quanto no alojamento estudantil que dividia com outros 10 futuros médicos. Terminado esse período, realizado na sede da Elam localizada a cerca de 25 km do centro da capital cubana, o brasileiro trocou o estudo das chamadas ciências básicas, como histologia e anatomia, por disciplinas mais específicas e, o mais importante, segundo ele, pelo contato com pacientes no hospital. "No Brasil, isso só ocorreria no quinto ano", compara. A partir dessa etapa, os estudantes estrangeiros são mandados para diversas faculdades médicas do país vinculadas à Elam, convivendo com alunos cubanos.
"Somos ensinados sobre projetos de medicina preventiva", destaca Marcéu
Crédito: Arquivo Pessoal
Marcéu foi mandado para o Instituto Superior de Ciências Médicas de Camagüey.
Referência
Sustentar o menor índice de mortalidade infantil da América está entre as referências da medicina cubana. Em 2010, foram três recém-nascidos mortos a cada mil nascimentos - contra quatro dos Estados Unidos e Canadá, segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde. "Isso tem relação com o sistema de saúde descentralizado e regionalizado, onde há uma unidade básica de saúde para cada 5 mil pessoas, composta por uma enfermeira, agentes de saúde, auxiliares de enfermagem e um dentista", diz o presidente da Associação Cultural José Martí no Rio Grande do Sul, o enfermeiro Ricardo Haesbaert.
Ele afirma que o grande diferencial do sistema de saúde cubano é o cuidado preventivo, desde o controle sobre os pais que não levam os filhos para serem vacinados até a estrutura dos postos de saúde e das policlínicas. "É uma complexidade que visa a dar conta do atendimento desde o nascimento até a morte do cidadão. Há toda uma conscientização junto às crianças e aos pais, que recebem em casa a visita de um agente de saúde, além de uma rede de funcionários de outras áreas envolvidos. Nas policlínicas, por exemplo, além de médicos, enfermeiros e outros profissionais da área de saúde, há a presença de membros de outras especialidades, como psicólogos, assistentes sociais e professores de educação física", ressalta Haesbaert.
Na universidade, os futuros formandos da Elam recebem uma formação voltada para a saúde preventiva, além de aprender desde o terceiro ano, ao entrar em contato com os pacientes, a realizar pequenos procedimentos médicos, como uma sutura. "A instituição forma um profissional humanista, com experiência em clínica geral e nas partes mais aprofundadas dos atendimentos, tendo assim um conhecimento técnico e uma capacidade de interação com o paciente em seu ambiente de vida. Ou seja, é uma formação humanista e técnica, no sentido de estarem envolvidos diretamente com o paciente, essencial para que haja um cuidado com a saúde preventiva", avalia o enfermeiro.
Marcéu destaca o caráter preventivo da medicina cubana, com grandes investimentos em tecnologia de última geração. "Na universidade, somos ensinados sobre projetos de medicina preventiva. Há investimentos em institutos de pesquisas, que desenvolvem vacinas compradas pelo mundo inteiro. Além disso, temos experiência em hospitais com aparelhos alemães de ressonância magnética de ponta, pois em Cuba a medicina curativa não é deixada de lado", ressalta.
O novo médico celebra ainda a experiência de viver em um outro país. "Foi um choque cultural grande no início. Mas foi uma experiência muito enriquecedora conviver com pessoas do mundo inteiro. Aprendi sobre a cultura de países que nem sabia localizar no mapa", conta o brasileiro, que recebia uma ajuda de custo mensal de 100 pesos cubanos, dinheiro suficiente, segundo ele, para necessidades básicas, transporte e até lazer.