Sandro Fernandes
Direto de Moscou
Caio Fernandes, 21 anos, trocou o Rio de Janeiro pela Rússia há dois anos
Crédito: Arquivo Pessoal
No temido ano do vestibular ou do Enem, estudantes passam meses se preparando para a bateria de exames de acesso ao ensino superior. Para aproveitar a exaustiva jornada de estudos, alguns tentam a sorte em mais de uma universidade. E candidatos a cursos mais concorridos, como medicina, não raro tentam uma vaga em outra cidade ou Estado. Pois Bruno Henrique Oliveira, 24 anos, foi mais longe do que a maioria. Depois de dois anos de curso pré-vestibular, o jovem nascido na pequena cidade de Lobato, no Paraná, decidiu buscar bolsas de estudo fora do Brasil. E achou. Na Rússia.
Bruno leu uma matéria sobre brasileiros que foram estudar no país e começou a buscar informações no site das universidades russas e do Itamaraty. Os preços foram um atrativo. Enquanto no Brasil as mensalidades nas instituições privadas variam entre R$ 3 mil e R$ 4 mil nas grandes cidades, na Rússia este é o valor cobrado por semestre. Decidido, enviou os documentos e acabou chamado. "Quando recebi o e-mail do serviço consular russo, não acreditei", declara.
Mas se sair de casa já não é tarefa fácil, escolher a Rússia como destino é ainda mais incomum para quem mora em um lugar com clima tropical. Segundo o Consulado do Brasil em Moscou, há 170 estudantes de medicina no país, número que pode ser maior já que nem todos se registram na representação consular. E o frio é um dos principais obstáculos. Na capital russa, as temperaturas podem atingir 30°C negativos, o que leva os estrangeiros a brincar, dizendo que lá existem somente duas estações, o inverno com neve e o inverno sem neve.
O idioma também assusta. O russo utiliza o alfabeto cirílico e estudar a língua é como estar mais uma vez na classe de alfabetização. Com uma gramática bastante complicada e a fama de não saberem inglês e nem se esforçarem para entender os estrangeiros, a dificuldade inicial em se comunicar poderia ter mandado muitos estudantes de volta para o Brasil.
O problema da corrupção dentro das universidades também chama a atenção dos jovens que chegam ao país. Pequenos subornos fazem parte do dia-a-dia dos estudantes para o abonamento de faltas e até mesmo para a aprovação em algumas matérias. "Tudo na Rússia se resolve com US$ 100. Eu não frequentei as aulas de Educação Física (obrigatórias) e paguei à professora. Todo mundo sabe quanto deve desembolsar se quiser passar num exame. Provas finais podem custar US$ 300 ou uma garrafa cara de álcool", explica um residente médico brasileiro que preferiu não se identificar.
No entanto, nenhuma destas dificuldades parece desmotivar aos jovens brasileiros que estudam medicina em Moscou - como no Brasil, o curso dura seis anos. "O período comunista deixou um bom sistema educacional e o russo é um dos seis idiomas da ONU. Gosto de estudar aqui", declara Caio Fernandes, 21 anos, que trocou o Rio de Janeiro pela Rússia há dois anos.
O processo para entrar em uma universidade russa é mais simples do que pode parecer, mas é importante ter paciência com a burocracia do país e a pouca boa vontade de alguns funcionários públicos. O primeiro passo é entrar em contato com as instituições de ensino superior para se inscrever em um curso preparatório obrigatório que dura entre 12 e 15 meses. Nesta fase, os alunos estudam o idioma e recebem noções básicas de determinadas matérias, além de terem uma introdução à cultura local.
"Provas finais podem custar US$ 300 ou uma garrafa cara de álcool"
"O primeiro ano da faculdade é muito difícil porque ainda não dominamos o idioma. Temos uma quantidade enorme de provas e uma carga horária puxada, que muitas vezes vai das 9h às 20h", explica Arthur Mota, paraibano de 24 anos.
Vencida essa etapa, a situação melhora. O aluno está apto a se matricular em qualquer universidade russa, sem necessidade de nenhum outro exame de ingresso na maioria delas. Além disso, em alguns casos as aulas na faculdade são integralmente ministradas em inglês.
Validação do diploma russo no Brasil
Muitos estudantes formados na Rússia optam por seguir a carreira no próprio país ou em algum outro lugar da Europa Ocidental devido à facilidade obtida pelo Tratado de Bolonha, de 2003, do qual os russos são signatários e que prevê a mobilidade de estudantes e profissionais do ensino superior na Europa. Mas a validação do diploma no Brasil não é esquecida.
"Minha intenção é fazer três anos de residência nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na Rússia, mas também quero validar meu diploma no Brasil. Mas sei que preciso trabalhar duro para isso", explica Gabriel Lopes, goiano de 27 anos formado pela Primeira Academia Médica de Moscou, considerada a melhor do país.